Quem anda empertigado e de nariz no ar
corre o risco de pisar o que não quer.
Por outro lado, quem passa o tempo de nariz
no chão não vê pássaros nem estrelas.
Procuro ser um pouco dos dois, não deixando
também de olhar para a frente e para os lados.
Aliás: nas manifestações que vou
fotografar, um pedaço do tempo caminho de costas, no meio da multidão, tentando
encontrar algo que me interesse no que se passa no lado oposto ao meu nariz.
Foi assim, neste não deixar de olhar, que
dei com este pedacinho de calçada.
O passeio é grande, umas centenas de
metros, e eu já tinha percorrido talvez um terço. O resto do caminho foi feito
com particular atenção, não fora encontrar algo de semelhante. Não encontrei.
Tal como não encontrei uma explicação
plausível para este invulgar de arranjar as pedras na calçada que não fosse
recuar uns anos valentes e recordar-me do que me foi contado e dos exemplares
que vi.
Contou-me quem investigou o assunto que os
antigos mestres calceteiros, em terminando a obra, deixavam uma assinatura. Não
o seu nome ou mesmo as suas iniciais. Apenas, e ponham-se aspas no apenas,
pequenos e singelos desenhos de pedra branca na pedra branca, cada um
correspondente a um mestre e que ninguém copiava. Os aprendizes, serventes e
outros cargos intermédios, que não os de mestre, inventavam desenhos mas
guardavam-nos para serem usados quando atingissem a mestria ou a oportunidade
de a demonstrar.
Tive o raro prazer de ver dessas
assinaturas espalhadas pela cidade: na zona de Alvalade e na zona do Castelo.
Discretas, sempre colocadas em locais não muito pisados, primavam pela
singeleza e identificação.
Mas a fúria dos cabos e canos enterrados
fizeram levantar calçadas inteiras e essas que conhecia foram destruídas.
Espero que existam outras. Sei que existem outras! Mas nem desconfio onde.
Resta-me como explicação que este desenhos,
mais definidos pelos interstícios que pelas pedras, sejam as ou a assinatura de
mestres calceteiros.
Que este passeio calcetado conheço-o eu há
quase tanto tempo quanto o que me conheço e não me recordo de o ver levantado e
em obras.
Da próxima vez que caminhar nas ruas de
Lisboa ou arredores, preste atenção às pedras da calçada que pisa, agora
ameaçadas de extinção. Quem sabe se não irá encontrar um pedaço raro?
By me
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