sábado, 18 de julho de 2015

Tempo



A história passou-se em 2004, salvo erro.
Numa madrugada desse verão, Vénus passou entre o Sol e a Terra e isso foi visível de Portugal. Um acontecimento astronómico, particularmente raro e que os media se encarregaram de divulgar por antecedência.
Por mim, que estava a trabalhar nessa data e hora, saí de casa equipado com uns binóculos preparados para o efeito: fortes e múltiplos filtros cobriam a lente frontal, para que se pudesse observar o Sol sem riscos para a saúde. E aproveitei algumas pausas do trabalho para vir à rua e espreitar.
O que era visível, com as cores deturpadas pela filtragem, era uma manchinha escura que se movia, devagar, à frente do disco luminoso. Se não se soubesse de que se tratava, nem se daria por isso.
Mas o que me ficou mais fortemente gravado na memória foi o que senti na altura: Estava a ver algo que já tinha acontecido!
Com uma diferença que sei de pouco menos de oito minutos, eu estava a ver o passado e a saber isso mesmo. E senti-me pequeno, enormemente pequeno. Menor que minúsculo! Que, no espaço e no tempo nada ou quase nada somos. Apesar de toda a importância que nos atribuímos.
E, cada pedaço que vemos do espaço que nos cerca, já aconteceu faz muito. Tanto que parte do que assistimos no firmamento já desapareceu. A relevância que temos no universo é equivalente à de uma formiga no formigueiro.
Mas ele, o formigueiro, nem existiria se não fossem todas e cada uma delas.

Da próxima vez que protestarem sobre algo que está demorado (um atendimento num serviço, um download, o efeito de um medicamento) recordem-se que as fotografias que recebemos da sonda em torno de Plutão demoraram 4 horas a percorrer a distância, à velocidade estonteante de quase a da luz.


E a fotografia serve para, mais que questões estéticas, mais que questões técnicas, mais que questões lúdicas, mostrar o passado. À distância de um século ou de quatro horas luz.

By me 

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