A
menina dos cigarros estava ali para vender cigarros.
Venderia
igualmente fósforos, não fossem os fósforos já terem uma menina nas estórias.
Mas
a menina dos cigarros também poderia vender automóveis, alfaces, apartamentos
ou bilhetes de cinema.
Acontece
que de menina pouco já teria. Um pouco mais alta que eu, o seu sorriso, a
fatiota, o recheio da fatiota e como o recheio usava a fatiota, denotavam não
ser novata nestas coisas do marketing, cigarros ou o que quer que seja.
Tentou
convencer-me a experimentar uma nova variedade de uma conhecida marca de
cigarros. Sendo que sou consumidor, faz muitos anos, de uma outra marca, não me
convenceu. Ainda lhe perguntei o que esta nova teria de diferente das já
existentes, mas mais não disse que não fosse que lhe tinha agradado quando
provou, que as leis do tabaco não permitem a adjectivação nestes produtos.
E
ficámos assim, sorriso para cá, sorriso para lá, a menina dos cigarros ali
especada a abordar os clientes (à distancia bem que reparei que só os homens),
o excêntrico das barbas indo tomar o cafezinho da ordem e entrando no recinto
das compras, que tudo isto se passou no super cá do bairro.
Agora
o que me convenceu, de facto, foram os olhos da menina dos cigarros. Um pouco
sub dimensionados para com o resto do corpo, mas talvez por estar ali de pé,
sabe-se lá há quanto tempo, estrategicamente colocada para vender cigarros
novos junto com a sua imagem. E esta muitos seriam os que quereriam comprar,
que menina dos cigarros era de encher o olho.
A
tal ponto que eu mesmo não resisti. Com o saco de compras na mão, que poucas e
leves eram, abordei-a e propus-lhe um negócio desonesto:
Compraria
eu um desses novos maços de cigarros e, em troca ou como brinde, levaria comigo
também uma fotografia dos seus olhos.
E
nem houve que fazer grandes conversas: a menina dos cigarros deu-me logo um sim
de caras. Ou porque seria uma quebra na rotina de vendedora de imagem, ou
porque achou graça à abordagem, ou porque mais uma menos uma fotografia tanto
se lhe dava. Que a menina dos cigarros muitas fotografias haveria já de ter
feito.
Depois
de quatro disparos, que o vento não ajudava com os cabelos, mostrei-lhas e
ainda me soube perguntar se quereria tentar de novo. Confesso que foi este
“tentar de novo” que estragou o ramalhete, que o tom era de quem estava mais
que habituada a estar em frente a objectivas e que o aspecto do fotógrafo não
lhe inspirava confiança.
Foi
ela à sua vida de tentar vender cigarros embalados na sua imagem, e fui eu à
minha vida, que era o regressar a casa com as compras.
Mas
enquanto caminhava, saco numa mão e câmara no ombro, aquele “tentar de novo”
não me saía da cabeça. Habituada que estava ela a que a imagem vale mais que o
produto, calibrava os outros pelo mesmo diapasão. Eu incluído. E eu não gosto
de assim ser calibrado!
A
meio caminho acelerei o passo, rangendo os dentes e bem decidido.
Em
chegando a casa, quase que atirei as compras para um lado, enquanto me atirava
para o computador. Fotografia escolhida e trabalhada e tratei de a imprimir. Na
jacto de tinta, que outra não tenho, e em formato A4. Impressa e cortada ao
formato, enfiei-a num sobrescrito e zarpei!
De
volta ao supermercado, sempre com a câmara no ombro, a menina dos cigarros
ainda lá estava, tentando que o seu sorriso e a sua própria embalagem e recheio
promovessem outras embalagens e recheios.
Mas
ficou sem sorriso, ou pelo menos amarelou, quando lhe entreguei o sobrescrito,
fechado, agradecendo-lhe a gentileza e acrescentando: “Está aqui. De facto, não
era preciso tentar outra vez.” E virei costas.
Os
cigarros estão ali, já guardados para uma situação de falta de previsão
tabágica da minha parte. A fotografia está aqui, como prova factual da estória.
E dela não fiquei com nome, apenas “a menina dos cigarros”, que as dos fósforos
já tem autor.
By me
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