Conheço um relojoeiro.
Já vai sendo raro, este conhecimento:
alguém que sabe de mecânica de relógios e os repara.
A maioria dos relógios de hoje são
eléctricos e o mais que se lhes pode fazer, em parando, é mudar a pilha. Talvez
algo mais, mas não sei o quê.
A própria sociedade está feita, hoje, nesse
sentido: Usar e deitar fora, que com isso se alimenta a indústria e o comércio.
Mas este relojoeiro, um pouco à moda
antiga, mantém-se no activo, apesar de não ser idoso. Gosta do que faz e, sendo
o mercado de reparação de relógios diminuto, complementa-o com o de
antiguidades e velharias.
Foi numa feira dessas que o conheci.
Vendeu-me um extintómetro, por um preço bem em conta. E, depois do negócio
feito, perguntou-me para que servia e como se usava. Lá lho expliquei e ficámos
à conversa.
Nessa conversa, ou numa outra noutras
ocasiões, contou-me ele que é especializado em relógios europeus e russos. Que
é neles que tem o saber e a prática e que só neles mexe. E que quando lhe
aparece um cliente com um relógio mecânico japonês o remete para um outro
mestre relojoeiro que tem essa especialidade.
Disse-me ele, em tom de brincadeira, que
quando tem oportunidade mexe nos japoneses, mas sempre só pelo gozo e nunca
fazendo disso depender o trabalho de um cliente.
“Talvez um dia”, disse-me, “complete a
especialização nos nipónicos. Até lá fico-me com que sei e tenho por certo.”
Não fora por outros motivos, isto por si só
agrada-me neste profissional: tem plena consciência do que sabe e é capaz de
fazer e não usa clientes e os seus trabalhos em situações que não domina.
Um dia, em tendo um relógio de pulso
europeu ou russo para reparar, é a ele que o vou levar. E, se for japonês, é a
ele que vou perguntar sobre quem o faz.
Mas agrada-me ainda uma outra coisa: tendo
uma especialidade e um negócio que funciona (mais ou menos, como todos os
outros nos tempos que correm), faz questão de não ficar limitado e vai
aprendendo outras linhas e especializações.
Mas também conheço um fotógrafo. A bem
dizer, conheço alguém que ganha a vida em torno da fotografia.
Possui uma loja, onde vende equipamento e
presta diversos serviços, promove formação na área e tem trabalhos editados.
Uma ocasião, estava eu na loja dele de conversa
e surge uma mocinha. Vinha para fazer fotografias “de passe”.
Mandou-a sentar no respectivo banco, a um
20cm de uma cartolina branca e fotografou-a com o flash da câmara. Foi ao
computador, imprimiu, entregou-lhas, ela pagou e saiu.
Ainda mal ela tinha saído a porta, estava eu
a perguntar-lhe porque não tinha ele ali instalado, em permanência, um flash “de
recorte”. Bastava um daqueles pequenos, usados, que ali tinha, com uma célula
slave, que também tinha, um transformador, até um manhoso. Chegava o banco uns
20cm à frente, palava o flash com cartolina e o resultado seria completamente
diferente. Para melhor, claro.
A sua resposta foi de antologia: “Oh JC! Para
o que é, isto chega!”
Há bons profissionais e maus atamancadores
em tudo quanto é profissão. E, muito honestamente, não há trabalhos menores! Há
trabalhos apenas, e todos merecem o mesmo empenho e o melhor que podemos e
sabemos fazer.
A honestidade para com o cliente assim o
obriga.
By me