sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Liberdade




Com a idade vamo-nos repetindo. Ou por falta de imaginação ou por termos encontrado expressões válidas ou completas para as situações que vamos vivendo.
Tenho usado, desde há anos, e uns milhares de vezes, a pergunta:
“Foi à tropa? Não!? Mas se tivesse ido, certamente que seria atirador especial.”
Isto ao mesmo tempo que olho para um enquadramento (fotográfico ou videográfico) que me apresentam.
Esta pergunta, irónica como se deduz, resulta de ver o centro de interesse da imagem bem no meio, bem no seu centro. Por vezes, daria para o usar a descrever uma circunferência bem simétrica às bordas da imagem.
Este tipo de composição é, as mais das vezes, de evitar. Dizem as regras estéticas, bem como o resultado de diversas pesquisas de opinião feitas por especialistas, que o centro da imagem é um dos locais mais aborrecidos e com menos força de uma composição e que, se nele colocarmos o assunto principal, ele perderá importância perante outros elementos colocados em linhas fortes ou algures ao longo ou no fim de uma linha de fuga.
Entendamos, no entanto, algumas outras coisas.
1 – Estes conceitos de estética ou de “agrado” generalizado são fruto de uma cultura, neste caso a ocidental, nascida no extremo leste do Mediterrâneo. Outras culturas, com outras origens e com outros desenvolvimentos, têm outras soluções. E, consequentemente, outras “regras estéticas” e outros “agrados” generalizados.
2 – Tal como ouvi a um ilustre mestre na minha juventude, “As regras existem para serem quebradas”. E isto é válido na vida em geral e na comunicação visual em particular.
Usar o centro da imagem, ou o centro de linhas verticais ou horizontais, para lá colocarmos aquilo para onde queremos que o espectador olhe com mais intensidade (ou que dali retire a principal mensagem da imagem) pode ser um erro. Mas sendo que isso é ditado pelas “regras”, invertê-las ou subvertê-las pode ser uma forma adicional, pelo incómodo, de chamar a atenção para um dado pormenor. São abordagens de excepção mas que, se bem usadas, são de eficácia comprovada.
3 – Por muito importantes que possam ser as regras de composição, tão ou mais importante é o autor sentir-se realizado com o que cria. O ponto seguinte, mas só o seguinte, será o de conseguir ou não comunicar com os demais humanos. E isso depende, p’la certa, do contexto cultural em que se concebe a imagem e em que ela é vista.

Porquê de tudo isto?
Bem, um destes dias sugeria a alguém que fizesse uma fotografia de mim, comigo bem ao meio. O objectivo desse pedido pouco ou nada tinha de estético, mas tão só um exercício de técnica de exposição.
A pessoa em questão franziu o nariz e comentou “Ao meio?!”
Entendo-a! Estamos tão agarrados a regras e estereótipos estéticos, que fazer algo que saia do habitual, daquilo que nos ensinaram e daquilo que vamos vendo no cinema, na imprensa, na TV, incomoda e quase que é um insulto ao nosso próprio sentido estético.
Faz falta, no entanto, de quando em vez esquecer o que aprendemos, o que a sociedade nos impõe como “correcto”, e avançar noutras linhas, com outras abordagens. As que nos apetece fazer ou, propositadamente, furando as convenções.
Porque é a partir daí – só a partir daí – podemos com todas as certezas, saber aquilo de que gostamos e aquilo que queremos realmente fazer.
Que liberdade não é palavra vã nem aplicável apenas a conceitos políticos ou sociais. Mas, e tal como nestes aspectos, também começa dentro de nós e nunca decretada por leis e lentes ou imposta por hábitos ancestrais.


Texto e imagem: by me

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