quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dão-nos música




Havia os walkman. Cassetezinha lá dentro, auscultadores na cabeça e vá de ir ouvir a música para qualquer lado.
Depois vieram os “tijolos”. Rádios com leitores de cassetes incorporados, altifalantes com palmo e meio bem medidos, dispensavam os auscultadores, que a potência do seu som era tal que ensurdecia quem o transportasse no ombro, ligado. De caminho, faziam com que em redor todos soubessem quais as preferências musicais dos seus donos. Gostasse ou não quem estivesse em redor.
Vieram de seguida os mini-disk, topo de gama na época, em paralelo com os leitores de CD portáteis. Para ouvir com auscultadores, alguns com dupla ficha para partilhar.
Há uns tempos surgiram os leitores de MP3 portáteis, para usar com auscultadores. Alguns há com altifalantes incorporados e existem mesmo altifalantes que se acrescentam. Para partilhar a música, mas em ambiente sossegado, que a potência não é muito grande.
Claro que, em paralelo com tudo isto, sempre existiram os clássicos transístores, pequenos rádios, AM e FM, os melhores dos quais permitiam um auscultador monofónico de enfiar no ouvido, ainda que as mais das vezes se partilhassem músicas e relatos de bola. Muitos possuíam antena telescópica.
Hoje a moda é telemóveis e outros gadgets reprodutores de MP3 que são especialmente concebidos para partilhar a música com quem estiver em redor. Melhor dizendo: para partilhar parte da música, que a alguma distância, e para além do ritmo bem audível, nada se escuta da melodia ou harmonia.
Qualquer uma destas formas de partilha forçada sempre me incomodou. Gosto de música, quando a quero e a que quero. E é muito raro que estes concertos coincidam com o meu gosto ou disposição.
Para piorar as coisas, o local mais comum de ouvir estes concertos forçados é em transportes públicos, de onde é complicado fugir. Quando os começo a ouvir surgem-me na ponta da língua uma colecção de palavrões, que consigo guardar atrás dos lábios.

Pois desta vez a coisa foi diferente. Vinha eu entretido com as minhas cogitações quando começo a ouvir música. De um telemóvel, p’la certa. No comboio, no início da noite e da viagem.
Mas, antes ainda de me sentir incomodado, começo a gostar do que ouvia: Madredeus. Muito pouco comum de ouvir nestas circunstâncias, confesso. Aliás, creio ter sido uma estreia.
Olho em redor, com a discrição que a situação impunha, em busca de quem teria este gosto musical. E vejo-a.
Melhor: vejo-as, que eram duas. Entretidas à conversa, em criolo, uma delas estava grávida, já bastante adiantada. E, com um sorriso de felicidade, ia encostando o telemóvel à barriga, para que lá dentro se ouvisse bem.
Talvez que não tivesse que estar encostado, que a dois bancos de distância, eu bem ouvia. Em qualquer dos casos, habituar a criança que há-de vir a música com Madredeus, além de raro é de bom gosto.
Saíram a meio caminho, as três: duas jovens e o rebento a caminho. E, com elas, a malfadada máquina de agredir sonoramente.
Mas por uma vez, por uma vez só, fiquei com pena que se tivessem afastado.

Texto e imagem: by me

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