Era
o primeiro do ano e eu vinha do almoço.
E
estranhei o carro assim e aqui parado. Os quatro piscas ligados mas as luzes de
emergência apagadas, bem arrumadinho mas vazio na passadeira semaforizada de uma
importante via da cidade.
Olhei
em redor. Talvez que tivesse havido um acidente, que o dia estava de chuviscos,
e eles tivessem vindo tomar conta da ocorrência. Até onde a minha vista
alcançava, nada se via.
Pensei
que tivesse havido um qualquer problema numa loja, banco ou quejando e prestei
mais atenção. Os bancos próximos ficam ali mesmo, na esquina, e as caixas automáticas
estavam vazias. E nas ruas, onde sempre se junta gente em caso de alteração da
ordem pública, todos caminhavam com ar tranquilo de quem está a viver o
primeiro dia do ano.
Chateou-me
o facto. Afinal, era exactamente nesse dia que entravam em vigor as novas
alterações ao Código da Estrada. E, novidade, eram salientados os mais vulnerareis
– gente com dificuldade de locomoção, crianças, peões, ciclistas – e o aumento
das regras para a sua protecção. E um carro de polícia estacionado na
passadeira de peões e de bicicletas…
Tirei
a câmara do bolso e fiz o registo. Solitário, que quem por ele era responsável teimava
em não estar por perto.
Anotei
a matrícula do carro, a data e a hora (estas últimas supérfluas, que a câmara
havia-as registado). Bem como o local, esquina da av. da República com a av.
Duque de Ávila. E continuava sozinho.
Acendi
um cigarro e lamentei não ter comigo os autocolantes de protesto e alerta. Já
tenho poucos, mas este seria um excelente caso para os usar. Mesmo que os
vidros estivessem molhados, reduzindo drasticamente a sua capacidade de aderência.
Estava
eu a pensar tudo isto, e já o cigarro fumado, quando surgem os agentes.
Sorridentes, como quase toda a gente na rua neste primeiro de Janeiro, traziam
consigo um saco de papel do MacDonalds, cheio, que talvez contivesse os seus
almoços. Ou de qualquer camarada a quem fossem entrega-lo.
Olharam
para mim, que estava sozinho e especado no meio do largo passeio, câmara na mão,
mochila nas costas e boné na cabeça, e algo disseram que os fez rir ainda mais.
Talvez que uma referência ao Pai Natal.
E
lá seguiram no seu carro, como se tudo estivesse bem e dentro das normas legais
e convenientes.
O
que não estava nada normal ou legal era que dois agentes da PSP, sem estarem em
trabalho de emergência (almoço não conta) estacionassem o seu carro-patrulha –
com a matrícula 58-CN-46 – no mesmo local em que, noutras condições, haveriam
de multar um qualquer civil.
A
posse de farda, crachá e arma não dá direito a infringir a lei, seja ela qual
for. E quando os exemplos de cumprir a lei não são dados por eles, como o podem
exigir aos demais?
By me
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