sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

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Quando saí daquele taxi já passava das duas da manhã. E o meu desejo em o fazer era bem grande. Enorme.
Não tanto pelo adiantado da hora e o natural desejo de me recolher. Afinal, ao fim de tantos anos vamos estando habituados.
Era mesmo porque me incomodava o estar dentro daquele táxi com aquele motorista.
Com trinta e dois anos, começara ele o trajecto a queixar-se de como isto está mau, de como já quase não há clientes e a agradecer-me por aquele serviço lhe “salvar” a noite de trabalho. E depois evoluiu nos temas normais: de quem é a culpa, que “eles” nos estragam a vida, que devíamos correr com “eles”… o costume.
A certa altura disse-me que nunca tinha votado. Que não acredita “neles”, que “eles” são todos farinha do mesmo saco, que “eles” não contassem com ele para os lá pôr.
Ainda o questionei sobre que fazia ele para melhorar o estado de coisas e correr com “eles”.
“Nada”, disse-me. “Eles não prestam e eu não faço nada.”
Chateie-me. À séria.
Um tipo que não gosta da governação do país e do rumo que toma, que nada faz (em democracia ou fora dela) para alterar o estado de coisas e que passa o tempo a queixar-se do que “eles” fazem… Não tive paciência para tal!
E disse-lhe que uns quantos, há quarenta anos, tinham arriscado o pelo para que ele pudesse votar. Que não participar da vida pública (dentro ou fora da democracia) retira-lhe o direito de protestar. Que não participar, seja como for, é deixar que sejam os outros a decidir da vida dele. Que se ele nada fizer de melhor pela sua vida não tem que esperar que os “outros” o façam. Que aquilo que nada fizer hoje sobre o futuro é o que vai deixar de herança aos seus filhos. Que se não gosta de nenhum “deles” o melhor é ir ele mesmo para lá e mudar as coisas.
Não adiantou de muito. A “corrida” não era tão grande assim que permitisse muita argumentação. E ele estava de pedra e cal: “Nunca o fiz, não faço e não farei! Eles não prestam e não contam comigo!”

É um facto que a democracia em que vivemos está podre. Mas não gostar do sistema e nada fazer para o mudar, modificando-o ou substituindo-o, é aceitar passivamente os destinos que outros traçam da nossa vida.
Talvez que fosse do adiantado da hora depois de uma jornada dura. Mas não gostei de ser levado para casa por uma ovelha que sabe estar a ser levada para o açougue, que não gosta e que nada faz que não berrar no caminho.


By me

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