domingo, 12 de janeiro de 2014

Capachos



Tudo tem uma história e uma estória. Mesmo que um humilde capacho doméstico.

Há uns tempos, não muito, mudou-se aqui para o prédio um casal. Mesmo no meu andar.
Tendo assistido a parte da mudança, feita com recurso a um carro pequeno, fiz como sempre: perguntei-lhes se precisavam de ajuda, fosse no que fosse.
Eu sei que a preparação do “ninho” é algo de pessoal. Mas também sei que um par de mãos extra, uma ferramenta de emergência, ou mesmo um candeeiro, nessas ocasiões faz toda a diferença.
Mas não foi necessário, e agradeceram-me com um sorriso largo.
Passado algum tempo, umas semanas, oiço num início de noite, uma restolhada pouco comum no patamar da escada. E fui ver.
Esse meu vizinho andava numa fona, revolvendo as portas dos diversos contadores, resmungando feio.
Perguntado, contou-me que lhe haviam roubado o capacho. Este.
E acrescentou que, para além da falta óbvia, estava chateado porque fora oferta da filha. Um ou dois impropérios pronunciados não foram demais.
Uns dias depois, já não garanto quantos, constato que o dito capacho estava de volta. Estranhei e, em podendo, questionei a senhora que faz por cá a limpeza da escada. Afinal, ela lida com os capachos de todos: este e o meu, que nada sofreu.
Contou-me ela que tinha sido encontrado numa outra porta, uns andares acima. E que estavam quase todos trocados. Entre portas e entre andares. O meu fora dos que escaparam.
Acrescentou que havia a suspeita de terem sido uma fulanas, que tinham andado no prédio a pedir, que haviam feito as trocas e baldrocas. Que trabalheira, para uma eventual vingança.

O meu capacho é velho. Bem velho. Vai-se aguentando, mas é velho.
Se um dia o tiver que substituir, p’la certa que não será por um como este. Que corro o risco de com ele estar mentir.
Imagine-se que me aparecia aqui um cobrador. Ou um gatuno. Ou, bem pior, alguma figura publica da política nacional.

Tenho muitos defeitos mas não costumo mentir, nem nas boas-vindas.

By me 

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