Para
ir para casa tenho que ir de comboio.
Nada
de especial com isto. Somos uns milhares muito valentes a fazê-lo diariamente,
só na minha linha, um subúrbio de Lisboa. Imagine-se no mundo.
Por
vezes regresso a casa já noite fechada.
Também
nada de especial aqui. Quem anda nas linhas de caminho-de-ferro sabe que somos
muitos que regressam a casa de noite. Uns vindos do trabalho, outros já bem
mais tarde, vindos de outras andanças.
Já
me aconteceu adormecer no regresso a casa. É raro e há muito que não sucede.
Talvez porque deixei de ter uma vida a dobrar, regrando agora as horas de sono
que necessito. Mas é banal encontrar quem adormeça de cansaço. Tal como não é
estranho haver uma alma caridosa que, ou porque conhece a pessoa ou porque o
comboio chegou ao fim da linha, vá acordar o dorminhoco. Já me aconteceu dos
dois. Tal como já acordei vários.
O
que é particularmente raro (para mim uma estreia) é ir tão entretido a pensar,
infelizmente não em coisas boas, que quando dou por mim já tinha passado duas
estações da minha. Há sempre uma primeira vez para tudo e esta foi a minha.
Resultado:
mais de meia hora perdida, entre o trajecto extra para lá, o trajecto de
regresso e o esperar por uma composição que me devolvesse ao local certo.
E
que faz um tipo nestas circunstâncias, numa estação exemplarmente vazia?
Conta
os postes, fuma um cigarro, verifica quantos autocarros esperam o iniciar da
carreira, observa o lento caminhar dos ponteiros do relógio público, confronta
a sua exactidão com o que se tem no pulso, fuma um cigarro, faz uma fotografia,
testa a friagem dos bancos de pedra, alonga-se num lento caminhar no deserto
cais de embarque… Inventa o que quer que seja para assassinar o tempo assim
perdido.
Ou
não tanto.
Que
não há tempos pedidos mas tão só qualidades no seu uso.
By me
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