sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Do uso do tempo



Para ir para casa tenho que ir de comboio.
Nada de especial com isto. Somos uns milhares muito valentes a fazê-lo diariamente, só na minha linha, um subúrbio de Lisboa. Imagine-se no mundo.
Por vezes regresso a casa já noite fechada.
Também nada de especial aqui. Quem anda nas linhas de caminho-de-ferro sabe que somos muitos que regressam a casa de noite. Uns vindos do trabalho, outros já bem mais tarde, vindos de outras andanças.
Já me aconteceu adormecer no regresso a casa. É raro e há muito que não sucede. Talvez porque deixei de ter uma vida a dobrar, regrando agora as horas de sono que necessito. Mas é banal encontrar quem adormeça de cansaço. Tal como não é estranho haver uma alma caridosa que, ou porque conhece a pessoa ou porque o comboio chegou ao fim da linha, vá acordar o dorminhoco. Já me aconteceu dos dois. Tal como já acordei vários.
O que é particularmente raro (para mim uma estreia) é ir tão entretido a pensar, infelizmente não em coisas boas, que quando dou por mim já tinha passado duas estações da minha. Há sempre uma primeira vez para tudo e esta foi a minha.
Resultado: mais de meia hora perdida, entre o trajecto extra para lá, o trajecto de regresso e o esperar por uma composição que me devolvesse ao local certo.
E que faz um tipo nestas circunstâncias, numa estação exemplarmente vazia?
Conta os postes, fuma um cigarro, verifica quantos autocarros esperam o iniciar da carreira, observa o lento caminhar dos ponteiros do relógio público, confronta a sua exactidão com o que se tem no pulso, fuma um cigarro, faz uma fotografia, testa a friagem dos bancos de pedra, alonga-se num lento caminhar no deserto cais de embarque… Inventa o que quer que seja para assassinar o tempo assim perdido.
Ou não tanto.

Que não há tempos pedidos mas tão só qualidades no seu uso.

By me 

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