Os
grandes confrontos entre exércitos faziam-se com linhas de homens que avançavam
sobre o oponente, disparando as suas armas.
Acontece
que estas eram de pólvora negra, de carregar pela boca, de um único tiro.
Depois de disparadas, haveria que deitar pólvora pela abertura frontal do cano,
acrescentar o projéctil, calcar tudo com uma vareta e garantir a existência do
sistema de ignição na câmara: inicialmente por pederneira, mais tarde por
fulminante.
Disparava
a primeira linha, avançava a segunda para disparar enquanto a primeira iniciava
o remuniciamento, avançava e dispara a terceira enquanto a primeira terminava o
carregar da arma, avançava a primeira…
Quando
a distância entre as linhas adversárias era muito pequena, passava-se à luta
corpo a corpo, de espada ou baioneta, esta colocada na ponta do cano da
espingarda ou mosquete.
Mas
se este avanço era táctico, para tomar uma posição inimiga, estes estariam
equipados com canhões. Que eram municiados também pela boca da arma. Mas que disparavam
sobre as linhas inimigas que avançavam, dizimando-as as mais das vezes.
Neste
tipo de confronto bélico, a primeira vaga de assalto tinha uma taxa de
sobrevivência diminuta, menos de dez a vinte por cento, ao que sei.
E
era a esta vaga, conjunto de três linhas, que se dava o nome de “carne para
canhão”. Que se sabia ser dizimada pelos canhões inimigos e que era o preço
para que as linhas seguintes chegassem ao corpo a corpo.
Hoje
a pólvora negra é usada apenas em espectáculos pirotécnicos. As armas de
carregar pela boca (mosquetes, revolveres de acção simples ou canhões) já não
são mais que peças de museu. E a carne para canhão já não se espalha pelos
campos de batalha da mesma forma.
Mas
continua a existir, a carne para canhão.
Às
ordens dos generais dos mercados e dos marechais da política, a carne para
canhão somos nós, que vamos tombando nos campos de batalha económicos, vítimas
das ofensivas bancárias e geopolíticas.
E
com a ilusão da “doce morte do herói” continuamos a marchar armados de notas,
moedas, contratos e consumos.
Os
generais de hoje já não têm estrelas nos ombros, não vestem de caqui nem
possuem cavalos brancos.
Mas
nós continuamos a alimentas essas guerras, caindo na frente de combate às
ordens desses que não saem dos gabinetes estratégicos.
Continuamos
a ser a sua “carne para canhão”.
Até
que um dia espetemos no chão as baionetas, deitemos fora as munições e
enterremos as carteiras com notas e cartões.
Imagem: “Harvest of
death”, de Timothy H. O’Sullivan, 1863, Gettysburg , USA
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