Talvez já tenhamos
partilhado o mesmo comboio muitas vezes. Não o garanto, que nem sempre entro na
mesma porta. Mas já dei com elas e partilhámos os mesmos bancos uma meia dúzia
de vezes.
Entram na estação a
seguir à minha, mãe e filha. Esta terá uns onze anitos, talvez. A mãe uma
trintona bem medida.
Tal como eu, e
muitos outros, fazem questão de transformar o tempo ferroviário em tempo útil.
E se a maioria o faz aproveitando para ler, ouvir música, mesmo fazer tricôt
(este mais raro) ou observado e/ou escrevendo como eu, estas usam o tempo para
tratar de coisas de escola. Fazem questão disso.
Melhor: a mãe faz
questão disso, pedindo para ver os trabalhos da filha, pedindo para ver os
recados da escola, instigando a filha a fazer os TPCs, corrigindo-os…
A petiza está a
aprender francês. O que não é convencional, tal como não é comum a mãe tanto
saber da língua: vocabulário, gramática, sotaque mesmo. Suspeito que será a língua
materna, ou equivalente.
O que também não é
comum é a forma como a mãe trata a filha. Ríspida, agressiva, bruta, violenta. Nunca
com gestos ou contactos. E nas palavras usadas não consta uma única que não
seja correcta. Sempre sem um pingo de ternura mas aparentando apenas se
preocupar com resultados. Mas a forma de falar… Se fosse minha mãe rifava-a!
Creio que a
catraia pense o mesmo. O seu ar infeliz, a forma como olha em redor em a mãe não
a estando a ver como que a pedir ajuda, submissa e obediente… é de meter dó!
Nunca vi esta
pequenita a rir ou mesmo sorrir, a falar de brincadeiras ou episódios com as
amiguinhas. Apenas os deveres, os deveres, os deveres.
Fala-se muito na
actualidade da exploração infantil. Em como o colocar crianças em fábricas ou
campos é crime. Que lhes rouba a infância. Que não lhes permite crescer
naturalmente, com a alegria e energia próprias da idade.
Verdade!
Mas é igualmente
verdade que a competitividade na escola, o ter que ser bom, muito bom, o
melhor, é tão mau quanto isso. Muito pior!
Que sendo certo
que cada criança tem o seu próprio ritmo de aprendizagem, e variando com conteúdos,
exigir deles a excelência plena em tudo quanto é estudo é tão mau ou pior que
os colocar a coser solas à luz de um candeeiro de petróleo.
Talvez que um dia,
em que eu vá trabalhar mais mal disposto (o que é particularmente raro) e as
encontre, faça algo. Talvez que uma conversa séria, clara, tão agressiva quanto
esta mulher está a ser para com a filha. Apenas terei que ter o cuidado que não
seja percebido pela pirralha.
Ou, em
alternativa, uma carta explícita guardada no saco e entregue à mãe sem mais explicações.
Ela que a entenda, se disso for capaz.
A algumas pessoas
não deveria ser dada autorização de procriar. Este parece-me ser um desses
casos.
By me
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