Uma
vez tive um pássaro.
Enfim,
ninguém é perfeito, portanto porque não eu também?
A
estória foi assim:
Estávamos
em reuniões de avaliações de Natal. Enfiados todos os professores numa sala,
íamos discutindo cada um dos alunos e “cantando” as notas para um de nós, que
as ía lançando no computador.
A
meio da tarde, na pausa que nos oferecemos para um cafezinho e um cigarrito,
uma das funcionárias da secretaria veio falar com cada um, propondo-nos a
compra de um periquito. Estranha a proposta, não fora o facto de ser uma
espécie rara, um “periquito da Guiné”, trazido não sei como à revelia das
autoridades.
Achei
a coisa interessante para oferecer a uma garota novita, filha de um casal
amigo, pelo natal. A pose e a responsabilidade por um ser vivo pode ser, para
além de lúdico, pedagógico. Portanto, porque não?
Mas,
quando já noite feita, fui buscar o bicho apalavrado, até me assustei. Com um
tamanho intermédio entre um periquito convencional e um papagaio, ainda que
novito, tinha umas patas que denotavam vir a ser bem grande no futuro. E nem
sequer era particularmente bonito, de um tom verde pardacento.
Lá
o levei para casa, comprei-lhe uma gaiola bem grande para o acomodar no futuro
e tratei de saber e comprar o que comia o bicharoco. Decidi ficar com ele uns
dias em minha casa, para perceber o que ele necessitava, antes do entregar à
futura dona.
Ainda
bem que o fiz!
Além
de feioso, o seu grasnar era pouco menos que horripilante. A chiqueirada que
fazia, com as asas e as cascas da comida, espalhava-se bem um metro em redor. E
limpar ou dar de comer dentro da gaiola, só mesmo de luva, que o bicho deveria
ser carnívoro ao tentar arrancar-me uns bons “bifes” dos dedos. Não sei quem
estaria mais incomodado: Se eu com a trabalheira se ele com medo de mim.
Constatando
todos estes inconvenientes, acabei por não o dar à garota. Seria uma “prenda de
grego” para os pais, que ela não trataria dele e sobraria trabalho e
aborrecimentos para eles. Se eu o tinha comprado, eu ficaria com ele.
Fui
tratando dele conforme podia, tentando não o assustar em demasia e que se fosse
habituando à minha presença, mantendo a higiene e alimentação nos padrões
normais, dentro e fora da gaiola.
Um
dia, quando me levantei, estava morto dentro dela.
Juro
que me doeu!
Não
que me tivesse afeiçoado ao bicho. Mas não lhe queria nada de mal e não me
tinha apercebido que alguma coisa não estaria a correr bem.
Mas,
pensando bem, a culpa terá sido minha. Por muito grande que seja a gaiola, é
sempre uma prisão. E eu era o carcereiro.
Texto
e imagem: by me
“
- O que é para si a Liberdade?”
“
- É ser livre numa prisão!
Todos
nós vivemos numa prisão que nós mesmos construímos.
Porque
nos impomos limites. Porque temos receio de os ultrapassar.
Acho
que o próprio do Homem não é viver livre em liberdade de facto. É viver livre
numa prisão!
Todos
nós temos uma polícia política interna, cheia de proibições e de regras em
relação as nós mesmos.”
António
Lobo Antunes, in Grande Entrevista, RTP, 2006
Sem comentários:
Enviar um comentário