É
uma palavra que todos conhecem mas da qual raramente nos lembramos. Um destes
dias ouvi-a num contexto curioso e fiquei com ela na cabeça.
Era
a palavra que me faltava e que melhor descreve alguns dos meus sentimentos.
Tenho
pudor em fazer certas fotografias.
Há
35 anos que faço televisão. Comecei ainda no tempo do preto e branco e passei a
aventura do início da cor. Cem por cento, menos umas milésimas de unidade, das
imagens por mim captadas, registadas e transmitidas foram de seres humanos.
No
estúdio e no exterior, dentro e fora do país, anónimos ilustres e ignóbeis
figuras públicas, ou qualquer outra combinação, como entenderem.
Em
todas elas, de uma forma mais ou menos explícita, existiu uma cumplicidade no
fazer dessas imagens. A câmara estava lá, bem visível, e o cidadão sabe que eu
estou lá, o que estou a fazer e para quê. Uns exibem-se e quase que pagam para
constar no registo ou transmissão, outros são apanhados ao correr da objectiva,
mas nada há de sub-reptício.
Além
do mais, mercenário que sou da imagem televisiva, não me sinto eu, enquanto
indivíduo, a fazer aquelas imagens. Faço parte de uma equipa, de uma
organização. A minha co-responsabilidade na captação e utilização das imagens
que faço é limitada. Ainda assim, alguns escrúpulos que tenho tido ao longo dos
tempos têm-me trazido alguns amargos de boca.
Já
enquanto fotógrafo a minha atitude tem sido diferente.
Raramente
fotografo pessoas desconhecidas ou anónimas. Pelo menos ao ponto de estarem em
evidencia no enquadramento ou de serem reconhecíveis.
Os
trabalhos que tenho feito a pedido (não gosto do termo profissional) têm sido
na área do teatro, da publicidade e da arquitectura, passando ao de leve pela
reportagem.
Nestas
circunstâncias, as figuras fotografadas fazem parte do evento e querem “ficar
no boneco”.
Mas,
sendo o Homem aquilo que quero retratar nas minhas imagens pessoais - aquelas
que faço para minha satisfação exclusiva -, procuro fazê-lo sem que conste
explicitamente delas.
Aquelas
imagens de instantâneo – uma expressão, um gesto, um evento – que poderia fazer
para meu prazer e deleite, não as faço. Tenho pudor!
Com
conhecidos, próximos ou não tanto, sou mais atrevido. A cumplicidade existe, as
pessoas em causa sabem o que sou e o que faço e, se bem que possam não “se
fazerem à fotografia”, sabem que ela pode acontecer e comportam-se mais ou
menos em conformidade.
Agora
os estranhos, aqueles que apenas me conhecem de vista ou nem isso, vivem a sua
vida ignorantes da possibilidade de eu os poder fotografar. São o que são, sem
reservas, acanhamentos ou exibicionismos, alegres, tímidos, carinhosos ou bem
pelo contrário, inconscientes que um gesto, uma expressão, pode ficar registada
para todo o sempre.
Da
mesma forma que não espreito ou fotografo para dentro de janelas alheias,
também tenho pudor em o fazer quando estão da parte de fora delas.
Esta
minha atitude e sentimentos é tanto mais forte quanto mais “frágil” é a pessoa
ou situação em causa. As misérias, materiais ou outras, tantas vezes vistas em
espaços públicos, estão ali porque não podem estar em qualquer outro local
privado.
Os
pedintes, vagabundos, sem abrigo, catadores de lixo, para não citar todos,
são-no, estão-no e fazem-no não por vontade própria mas como último recurso,
muitas vezes já sem pudor algum porque não se podem dar a esse luxo. A seguir a
este degrau…
Se
eu soubesse, com certezas ou alto grau de probabilidade, que o eu fazer estas
imagens iria de alguma forma melhorar-lhes a vida – na auto-estima, na fome, na
saúde ou no conforto – esta minha invasão das suas intimidades públicas poderia
fazer algum sentido.
Mas
eu sei que do meu acto de fotografar nada de diferente lhes acontecerá. Apenas
ficarei com mais um troféu de caça na minha galeria que, eventualmente,
exibirei dizendo: “Vejam o que eu vi, sintam o que eu senti!”
Poderão
dizer os fotojornalistas: “Mas uma das missões nobres do nosso ofício é
denunciar as misérias do mundo e tentar com isso melhora-lo!”
É
verdade que sim! Tal como eu o faço com a minha câmara de vídeo, que é o meu
ofício.
Mas
as minhas fotografias não se destinam a nenhuma publicação, de pequena ou
grande tiragem. Faço-as porque me dá prazer fazê-las e, raramente, exibi-las,
se as entendo como capazes e se me apetecer.
Se,
de alguma forma, as imagens que faço e exibo podem melhorar o mundo, não sei,
ainda que o tente. Mas prefiro fazê-lo mostrando os objectos, a luz, as
atmosferas, as consequências e as causas e não as pessoas em si mesmas, não
violando a sua privacidade pública.
Há
uma palavra que define o que sinto e que me inibe de fotografar amiúde
desconhecidos:
Pudor!
By me
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