“Olá! Posso
tomar-lhe uns trinta segundos, não mais do seu tempo?”
Isto foi dito já
na rua, depois de termos saído do autocarro. A interpelada, de uns catorze anitos
como as amigas e não tão franzina como uma e muito menor que a calmeirona da
outra, ficou a olhar p’ra mim com ar de espanto, talvez que sem saber muito bem
que responder.
Tomei o seu silêncio
como uma anuência e continuei de seguida, mostrando a minha câmara fotográfica,
que entretanto tinha tirado do bolso:
“Gostaria que com
a minha câmara lhe fizesse umas fotografias sem que disso soubesse? E que as
usasse sem lho ter perguntado?”
“Ah, não! Claro
que não!” Respondeu recuperando o fôlego e meio assustada.
“Pois os pedintes
e os sem abrigo também não gostam! Mais ainda, a sua condição económica não
lhes dá alento para sequer dizerem que não. Mais ainda, fotografar os que
dormem nos cartões e nos vãos de escada ou sob os viadutos é o mesmo que alguém
ir fotografar a sua casa, espreitando p’la janela e à surrelfa. Não gostaria
disso, pois não?”
Ficou a olhar p’ra
mim, continuando sem saber bem que responder, enquanto a maior sorria de, de
dedo em riste, dizia “Eu bem dizia!”
O mutismo
passou-lhe e arriscou:
“Mas era p’ra um
trabalho da escola sobre o que passam essas pessoas no frio…”
“Pois será!”,
continuei. “Mas tenha a delicadeza de lhes perguntar primeiro, respeitando a
sua privacidade tal como gosta da sua.”
E afastei-me.
Esta conversa surgiu
de ter ouvido no autocarro elas a combinarem que uma pediria a câmara
emprestada ao pai e iria fazer aquelas fotografias.
Não sei se o meu
discurso terá tido o efeito que queria. Mas certo é que há coisas que não se
aprendem (ou ensinam) na escola ou nos livros que os mandam ler. E já só quando
é tarde demais dão por aquilo que se lhes escapou.
As questões de Ética
e Cidadania são conteúdos que, nesta sociedade competitiva, se recomendam não
abordar na escola. Quem sabe se os jovens se rebelam…?
Quanto à
fotografia, espero que não estivessem a contar que mostrasse as mocinhas em
questão. Ou mesmo um sem abrigo.
By me
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