sábado, 2 de novembro de 2013

Memória



A “desvantagem” de já por cá se andar há mais de meio século é ter história e histórias quanto baste para se encher vários volumes. Sobre quase todos os assuntos.
No início dos anos 80, as contestações populares ao poder instituído eram equivalentes às de hoje. Com a diferença de serem mais acutilantes e incisivas.
Um fim de tarde, o então Ministro da Administração Interna irrompe p’los estúdios adentro. Queria gravar uma comunicação ao país. E fê-lo.
Nela (cadeira, mesa, fundo preto, microfone) relatava que o país estava p’la hora da morte e que ele mesmo tinha sido objecto de um atentado. Teria havido, de acordo com o seu relato, uma tentativa de agressão (ou interrompida a sua marcha, já não recordo) com objectos perigosos. E exibiu uns valentes pregos, cavilhas mesmo, que, segundo ele, teriam sido usadas nos actos descritos.
O tom da declaração era bem mais que inflamado, com um vocabulário quase impróprio dos ecrãs e do cargo que ocupava. Violento, mesmo. Quase que a declarar estado de sítio em todo o país.

Alguém, nos bastidores, apercebendo-se do que estava a ser gravado para emissão próxima, fez uns telefonemas. Que resultaram em telefonemas de volta, manobras nos tais bastidores e conversas serenantes.
A gravação nunca foi emitida e, suspeito, já nem existe. Que há documentos que levam pó de sumiço com muita facilidade, principalmente se forem magnéticos.

Aquilo que se não apagou foi a minha memória de testemunha, p’lo menos nos aspectos gerais: o tardio da hora, o que me foi possível de ver e ouvir, o local e o nome do governante.
Não me espanta, assim, ver este título num jornal de hoje.

Creio que esta pessoa só morrerá feliz se o conseguir fazer.

By me 

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