Eu
sei que o meu aspecto não é dos mais convencionais. Também sei que a minha
rotina não é a abordagem directa e sem mais rodeios para conseguir fazer este
tipo de fotografia. E sei igualmente que a minha câmara de bolso não se
assemelha ao que o comum dos mortais entende por uma boa câmara, ficando eles sempre
na dúvida se fará ela e quem a usa alguma coisa que valha a pena ver.
Eu
sei tudo isso, mas hoje não resisti. Na estação de comboios, de regresso a
casa, vi estes olhos e não resisti: aproximei-me, vestido com o meu mais simpático
e cordial sorriso, e disse:
“Boa
tarde. Não me leve a mal, mas… Será que me deixa fazer uma fotografia dos seus
olhos? Só os olhos?”
Olhou
p’ra mim, com um ar de quem tem confiança no que é e no que mostra e, meio
sorridente, meio conformada, anuiu.
Rapei
da câmara do bolso, liguei-a, preparei-a para fotografar de perto e tentei. Uma
vez, duas vezes, três vezes. Sem o conseguir. A suavidade da luz, da pele e o
pouco contraste dela com a pelagem, cabelos excluídos, não permitiam o foco
automático de funcionar.
Em
situação de desespero, lá liguei o foco manual (que detesto nesta câmara) e fiz
o que queria.
Nos
entretantos, ela estava a ficar chateada, convencida que estaria eu a fazer várias
imagens diferentes. E já não parava quieta como eu a queria. A única que fiz,
esta, ficou focada quase que por acaso.
Quando
finalmente baixei a câmara veio rápida para o meu lado e quis ver. O que
mostrei prazenteiramente, mostrando-lhe com os dedos como iria ficar depois de
trabalhada. Mas não ficou satisfeita.
“Mostre-me
as que fez antes!” Exigiu.
“Mas
só lhe fiz esta, que estava com problemas com o foco.”
“Mas
mostre-me, que quero ver!”
Só
faltou o bater o pé no chão.
Mostrei.
As
três anteriores são de um jogo de luz e sombra num vaso com um arbusto, uns
bancos de comboio e uma rede com arame farpado.
“Pronto,
assim está bem!” disse.
Perguntei-lhe
o nome, já ela se afastava quase a trote. Que mo disse, ainda que duvide da sua
veracidade, tal o tom em que o afirmou.
E
eu, já mais que chateado com a sua atitude, estive p’ra fazer uma das minhas:
sentar-me a seu lado, no comboio em que ambos entrámos, ligar de novo a câmara
e, chamando-lhe a atenção para o que fazia, apagar definitivamente a fotografia
dos seus olhos.
Explicar-lhe-ia
que teria sido mais simpático da parte dela se tivesse recusado o fazer da
fotografia, no lugar de exibir os olhos, o palmito de cara e o resto do corpo,
que justificava a exibição e o orgulho, e andar a desconfiar e maltratar
desconhecidos. E que, nessas circunstâncias, nem eu queria ficar com tal imagem
de tal personalidade.
Não
o fiz!
Preferi
guardar e tratar a imagem, como todas as outras, aqui a exibir e contar a história.
Não
ficou ela a saber o local onde a poderia ver. Não o pediu nem eu lho disse. Mas
se tropeçar na fotografia, ou alguém a reconhecer e lha mostrar, talvez que
aprenda algo hoje para juntar ao que talvez tenha aprendido nos seus talvez
vinte anitos.
By me
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