sábado, 11 de fevereiro de 2012

O bando da carrinha




O sol já se preparava para procurar outros locais mais quentes que a minha rua quando saí de casa para comprar pão.
Foi então que tive um primeiro encontro com eles.
À distância, dei logo com o grupo de uns sete ou oito, homens e mulheres, todos na casa dos vintes e tais ou trintas e poucos, usando trajes mais ou menos formais. Todos carregavam uma pasta, mais ou menos volumosa, cheia de papéis e circundavam esta carrinha, que aparentava tê-los trazido.
O meu trajecto era pelo outro lado da rua, mas fui olhando, que estava incomodado (palavra pouco expressiva, esta) com o estacionar da viatura, meio atravessada, ocupando dois lugares numa rua onde lugares de estacionamento são menos abundantes que políticos honestos. Mas lá fui, com pensamentos não muito lisonjeiros para o motorista.
Estava eu a tomar o meu cafezinho quando o bando entrou, em busca do mesmo. E foi aí que tive medo. Muito medo.
Estava o grupo organizado, qual pelotão militar, para tomar de assalto os prédios da vizinhança em busca de contratos para serviços de comunicações.
Aquele vendedor solitário que vai batendo a rua, de porta em porta, tentando ganhar a vida, já é do passado. Agora vêem organizados, com chefe e tudo, com carrinhas de transporte e direito, talvez, a um cafezinho para dar coragem.
Nada tenho contra os que fazem pela vida honestamente. E estes fazem-nos com muita dificuldade, que o que ganham será muito pouco certamente. Mas costumam bater-me à porta quando menos jeito me dá, interrompendo o que não é suposto ser interrompido e, se acontece não responder, com uma insistência irritante.
Regressei a casa com um único pensamento positivo: “Se vou ter que levar com eles, ao menos que seja com uma delas, que têm umas carinha larocas e sempre compensam a chatice de me interromperem.” Não foi!
Foi um deles, todo simpático e sorridente, que me brindou com um esticar de mão e o início do discurso do costume: “Olá! Sou o Xxxx Xxxx e estou aqui a representar a empresa XPTO.”
“Pois eu não!”, foi a minha resposta. “Não tenho esse nome nem represento essa empresa. E, antes que vá mais longe, sempre lhe digo que não estou interessado nos vossos produtos.”
Abanou mas não desistiu, como mandam as regras dos vendedores. E tentou perguntar-me porquê. Não o deixei.
“É que, sabe, os serviços que aqui tenho em casa são-me pagos pelo meu patrão. Tem algo mais barato para me propor?”
Foi o “três em um”: primeiro cara de surpresa pela resposta, depois desagrado disfarçado por mais uma recusa, seguida de um sorriso ao perceber que estava a correr com ele com uma brincadeira. Despedida rápida e cordial e seguiu para a porta seguinte, esforço inútil que sei estar vazia a casa.
Entendo que fazem pela vida e até costumam ser simpáticos, ainda que chatos. E se coleccionarem formas de recusa, creio que a minha será original. Em podendo eu provocar-lhes um sorriso ganho o dia; se lhes puder poupar tempo ganham eles a oportunidade de “fazerem” mais portas. E este, em se juntando aos demais, cansados que estarão certamente e com poucos - se alguns - contratos feitos, sempre terá algo de diferente para contar sentados na carrinha gelada que os levará de volta.
Só não lhes perdoo, que raio, o terem assim arrumado a carrinha!

Texto e imagem: by me

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