segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Escatologia




Foi mais ou menos meio da semana passada. E ela foi tão recheada de peripécias tão inverosímeis, que começa a ser difícil fazer uma cronologia exacta.
Em qualquer dos casos, estava eu numa sala de espera enorme de um serviço de consultas externas hospitalares. Esperava eu ser atendido e tratar da minha vida de doente e paciente. Serviu para mitigarmos reciprocamente a impaciência o ter encontrado uma amiga, que ali também esperava vez, já em tratamento continuado.
Quando o painel brilhou o meu número avancei, confiante. Asneira!
Era a minha vez, sim senhor, mas faltava-me um papel que deveria ter sido emitido por quem ali me havia enviado.
“Mas repare!”dizia eu. “Tem aí o exame radiológico, em formato de CD, onde constam todos os elementos, desde a referência ao número do episódio clínico ao meu estado de saúde. Se ligarem – telefone ou net – par o outro hospital, lhe darão as informações de que carecem.”
A senhora levantou-se, contrafeita, e foi lá dentro, falar não sei com quem. Regressou irredutível:
“Falta-lhe esse papel. Nada feito. Tem que lá voltar.”
Eu sei que estas pessoas, por muito simpáticas e afáveis que sejam – e aquela estava a sê-lo – mais não fazem que cumprir ordens.
“Chame lá o seu chefe que falo eu com ele.”
Veio uma chefa, ainda mais simpática e sorridente que a subordinada (por isso é que é chefa) mas tão ou mais determinada a cumprir determinações quiçá superiores.
Nada satisfeito com a expectativa de ter que percorrer cerca de 20km em três transportes públicos diferentes, para cada lado, só por causa de um papel e da “teimosia” daquelas duas, não resisti e proferi:
“Vou dizer uma palavra feia!”
Criei uma pausa teatral, dando tempo a que quem me ouviu – e foram vários – que arremelgassem os olhos e sustivessem a respiração, e disse bem alto:
“Penico!”
Se, naquele momento, ali se tivessem aberto uns quinze a vinte balões, não teriam feito mais barulho no seu expirar!
Insisti no absurdo da situação, na estúpida perda de tempo e dinheiro nesse meu ir e voltar, mas nada consegui. E acrescentei:
“Vou dizer outra palavra feia! Autoclismo!”
Os sorrisos foram mais francos e aliviados, mas inconsequentes no sentido que eu queria.
Antes de abalar, paciente impaciente e inconformado, para onde me tinham mandado, estive vai-não-vai para lhes atirar com o supra-sumo desta minha lista de impropérios, contendo todos os “Rs” que a escatologia de salão permite:
“Retrete!”
Guardei-o!
A imbecilidade Kafkaniana das regras dos Serviço Nacional de Saúde não merece que eu perca o meu bom-humor.
Se outros motivos não existissem, seria mais trabalho meu que deles, que é difícil tirar o sono a quem apenas cumpre ordens e dedilha um teclado.

Texto e imagem: by me

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