sábado, 18 de fevereiro de 2012

Negociando com a vida




E depois há aquela pergunta idiota:
“Perder um comboio? Como é que se pode perder uma coisa tão grande?”
Bem, é fácil!
Basta cumprir uma regra na vida: não correr atrás de coisa alguma. Muito menos de um comboio, autocarro ou semelhante.
Costumo organizar a minha vida para chegar adiantado onde tenho compromissos. Considerando a frequência dos transportes públicos em Lisboa e arredores, entendo que meia hora é uma boa margem.
Porquê?
Bem, por um lado porque não gosto, melhor, desgosto de chegar atrasado. Como em tudo o resto, entendo que se me comprometi com uma dada hora, devo honrar o meu compromisso e cumpri-la. Que se todos honrassem os seus compromissos, tudo isto funcionaria bem melhor. E eu procuro fazer a minha parte.
Donde, essa meia hora que chego adiantado é uma margem de segurança que tenho para que, se algo correr mal, não chegue atrasado.
Por outro lado, se tudo correr bem, essa meia hora permite-me tirar partido do que nos cerca, quer seja para tomar um cafezinho, quer seja para fazer uma fotografia, quer seja para apenas apreciar o caminho, mesmo que seja o casa-trabalho enfadonho. Que mesmo nele, e por muitos anos de velho que seja, há sempre algo de novo para descobrir e degustar.
Para já não falar no completar a escrita de algum texto, iniciado a bordo de uma composição cujo trajecto termina antes das ideias ou papel. Já não tenho dedos para contar quantas vezes desembarquei e procurei, com algum frenesim, um banco na estação onde me sentar para acabar de escrever.
É assim que perder um comboio, essa lombriga comprida e de ferro que se desloca sempre no mesmo previsível caminho, é algo de banal e insignificante. Não me tira o sono nem altera o humor.
E quando chego ao cais e o vejo lá ao fundo afastando-se, trato de, entre outras possiveis, pesquisar os carris que deixou a descoberto. É fantástica a variedade de coisas que os passageiros atiram à linha, em modo de caixote de lixo gigante. E quanto maior é o comboio que perdi, maior é o espaço que deixa visível.

Em sabendo nós negociar com a vida, mesmo o perder de um comboio pode significar lucro puro. E sem impostos.

Texto e imagem: by me

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