E depois há aquela
pergunta idiota:
“Perder um
comboio? Como é que se pode perder uma coisa tão grande?”
Bem, é fácil!
Basta cumprir uma
regra na vida: não correr atrás de coisa alguma. Muito menos de um comboio,
autocarro ou semelhante.
Costumo organizar
a minha vida para chegar adiantado onde tenho compromissos. Considerando a frequência
dos transportes públicos em Lisboa e arredores, entendo que meia hora é uma boa
margem.
Porquê?
Bem, por um lado
porque não gosto, melhor, desgosto de chegar atrasado. Como em tudo o resto,
entendo que se me comprometi com uma dada hora, devo honrar o meu compromisso e
cumpri-la. Que se todos honrassem os seus compromissos, tudo isto funcionaria
bem melhor. E eu procuro fazer a minha parte.
Donde, essa meia
hora que chego adiantado é uma margem de segurança que tenho para que, se algo
correr mal, não chegue atrasado.
Por outro lado, se
tudo correr bem, essa meia hora permite-me tirar partido do que nos cerca, quer
seja para tomar um cafezinho, quer seja para fazer uma fotografia, quer seja para
apenas apreciar o caminho, mesmo que seja o casa-trabalho enfadonho. Que mesmo
nele, e por muitos anos de velho que seja, há sempre algo de novo para
descobrir e degustar.
Para já não falar
no completar a escrita de algum texto, iniciado a bordo de uma composição cujo
trajecto termina antes das ideias ou papel. Já não tenho dedos para contar
quantas vezes desembarquei e procurei, com algum frenesim, um banco na estação
onde me sentar para acabar de escrever.
É assim que perder
um comboio, essa lombriga comprida e de ferro que se desloca sempre no mesmo
previsível caminho, é algo de banal e insignificante. Não me tira o sono nem
altera o humor.
E quando chego ao
cais e o vejo lá ao fundo afastando-se, trato de, entre outras possiveis,
pesquisar os carris que deixou a descoberto. É fantástica a variedade de coisas
que os passageiros atiram à linha, em modo de caixote de lixo gigante. E quanto
maior é o comboio que perdi, maior é o espaço que deixa visível.
Em sabendo nós
negociar com a vida, mesmo o perder de um comboio pode significar lucro puro. E
sem impostos.
Texto e imagem: by me
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