sábado, 29 de outubro de 2011

Pensando um pouco




O regime político da sociedade em que vivemos pauta-se por três poderes: legislativo, executivo e judicial.
E, ainda que o poder judicial não seja “democrático” na medida em que não é objecto de sufrágio universal, certo é que os seus elementos são escolhidos ou seleccionados por outros “mestres do mesmo ofício”, na sequência de provas dadas, o que lhes confere um cariz de isenção política.
Por seu lado, os poderes executivo e legislativo são objecto de eleição por parte de todos os cidadãos, conferindo aos actos e decisões que tomam o carácter de representarem as vontades dos eleitores.
A par com estes poderes instituídos na sociedade existe um quarto, relativamente recente na história: a comunicação social.
Supostamente este poder de influenciar as opiniões dos seus ouvintes, leitores ou espectadores funciona à margem das influências políticas, sendo, idealmente, imune às pressões partidárias ou governamentais.
Mas a comunicação social, seja qual for o suporte, não é gratuita na produção. Custa dinheiro, muito dinheiro. E estes recursos surgem de três fontes possíveis: a venda do produto directamente ao consumidor, da publicidade incluída e das subvenções estatais, no caso de empresas públicas ou de serviços públicos.
Por cá, a empresa pública de televisão, reparte as receitas pelas três fontes, equilibrando a relação entre receitas e despesas entre as subvenções públicas e a publicidade. As outras empresas de televisão, privadas que são, têm como objectivo a obtenção de lucro, jogando em exclusivo com a capacidade de fazer negócio com a publicidade.
Do ponto de vista de independência na informação que produzem, e para além do eventual cumprimento dos códigos deontológicos a que os profissionais estão obrigados, só mesmo a televisão pública está realmente obrigada a isso. Depende em boa parte do que o estado lhe paga ou, se preferirem, do que os cidadãos pagam através dos seus impostos. As estações privadas, pese embora o tal código deontológico, podem produzir os noticiários e demais formas de informação como entenderem, já que apenas respondem perante os accionistas. Privados e com o simples objectivo do lucro.
Mas sendo igualmente certo que as subvenções Estatais para o serviço público de televisão são limitadas, mesmo inferiores às despesas que tal serviço implica, as receitas publicitárias são o que fazem a diferença nos orçamentos, permitindo produzir conteúdos mais dispendiosos, apelativos aos publicitários, que permitam garantir as despesas inerentes as esses produtos bem como cobrir as de outros produtos, não tão apelativos mas desejados pelo público. Público esse que é a razão de ser da existência da estação emissora.
A actual proposta governamental de privatizar parte da estação pública de televisão e privar o canal público de toda a publicidade irá reduzir até ao limite, ou para além dele, a capacidade de produzir conteúdos televisivos que não apenas sejam do agrado do grande público como possam suportar outros conteúdos que, não sendo tão “generalistas”, representem a cultura nacional e gostos da população.
Só para dar um exemplo, os eventos desportivos, de grande ou pequena monta, são dispendiosos. E são pagos, em boa medida, pela publicidade que lhe está associada. Não havendo esta, não será possível pagá-los, a menos que se reduzam os custos das demais produções (culturais, infantis, documentais, informativas…).
Mas, mais ainda: ao manter o orçamento da estação pública de televisão dependente em exclusivo do poder governamental, e sendo este representativo apenas do partido maioritário no parlamento, tornará os conteúdos a emitir muito mais dependentes deste. E não das vontades da totalidade da população, como seria se dependesse também das audiências e respectiva publicidade ou, como no caso de vários países, se dependesse directamente do parlamento, onde está representada a esmagadora maioria da vontade do país.

Por outro lado, sabemos que as estações privadas, ainda que tenham como objectivo o negócio e o lucro que ele pode proporcionar, não estão à margem de tendências políticas. Os seus proprietários movem-se na esfera político-partidária a alto nível, satisfazendo certas tendências e neutralizando outras. Por sistema e de uma forma mais ou menos manifesta e aberta.
Não creio que quem quer que se candidate à compra de um canal televisivo a privatizar seja diferente dos existentes.
Em sucedendo essa privatização teremos três canais (privados) que emitirão informação e que se presume que sejam isentos de tendências político-partidárias, mas que não o serão. E um canal (público) que dependerá em exclusivo, do partido mais votado no parlamento. Em regra, em linha com os interesses das estações privadas.
Com a privatização de uma canal da RTP e da exclusão da publicidade dos canais remanescentes, ficará quase que por completo excluída da sociedade portuguesa a possibilidade de haver informação televisiva independente dos poderes político-partidários.

A insistência e irredutibilidade governamental na privatização de parte da RTP não se prendem com questões orçamentais ou com memorandos internacionais.
O cerne da questão é o poder, o quarto poder, e a possibilidade de o ajustar às necessidades partidárias e interesses privados. Os interesses nacionais, no sentido de serem os de todos os portugueses, estão bem arredados destas decisões.
Será de todo em todo importante que se tenha bem consciência destas questões antes que a situação se torne irreparável.

Texto e imagem: by me

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