terça-feira, 18 de outubro de 2011

A perna da mesa




A história é velha. Só não é mais velha que eu porque eu mesmo nela participei.

Aquelas centenas largas de jovens viviam um momento único na história: pela primeira vez partilhavam parte do seu dia, no liceu, com gente do sexo oposto. Que o regime, caído pouco tempo antes, o proibia à revelia de tudo quanto é sensato.
Mas essa nova vivência tinha alguns contras. Um deles foi o facto de, talvez devido à novidade e ao excesso de hormonas desenfreadas, o mobiliário escolar estar uma desgraça. A destruição de carteiras, ou mesas e cadeiras, era de tal forma que era normal ver dois rabos partilharem o mesmo assento nas salas de aula.
As reclamações de pouco serviam, que quase tudo estava em igual situação, sistemas de manutenção incluídos. Que todos andávamos a aprender a viver em liberdade e democracia. Democracia interventiva, já agora.
No entanto, não nos deixámos atrapalhar pela ineficácia das instituições: organizámo-nos, sugerimos e, sob a supervisão de um continuo, passámos parte das férias da Páscoa no sótão do liceu (Rainha Dona Leonor, em Lisboa) a serrar, pregar, aparafusar o era possível de recuperar.
Não havia máquinas eléctricas nem as nossas mãos de estudantes estavam habituadas a tais trabalhos. Mas exibíamos as bolhas assim feitas com o orgulho de sabermos que o futuro estava nas nossas mãos e que o estávamos a construir.

Hoje, nas mesmas circunstâncias, esse material escolar seria jogado fora e feito concurso público para aquisição de novo. E os alunos continuariam a roçar os rabos uns nos outros até que alguém, sem rosto mas com títulos e carro às ordens, solucionasse a situação.
Que a atitude generalizada hoje é a de esperar que alguém resolva os nossos problemas, no lugar de arregaçar as mangas e fazê-lo. Em prol de si mesmo e da sociedade.
Grave mesmo é isto acontecer entre adultos (naturalmente acomodados) e entre jovens que deveriam transpirar energia e iniciativa.

Cada época tem os seus aspectos positivos e negativos, não havendo uma bem melhor que qualquer outra. Mas custa-me assistir a que aquilo para que se mais olha hoje seja o próprio umbigo, deixando para os outros as responsabilidades e soluções.

Texto e imagem: by me 

Sem comentários: