Ícones

Como eu gostava de ter uma arma! Ui, mas como eu gostava de ter uma arma!

Não me importava que fosse de acção simples, de acção dupla ou automática. Ou que fosse de coldre, de arção ou de bandoleira. Indiferente se usasse pólvora negra ou pólvora nítrica. Pistola, revólver, carabina… Poderia ser até um mosquete ou um arcabuz. Poderia usar balas esféricas ou cónicas, blindadas ou não, fechadas ou pontas ocas. Poderia até disparar pedras e pregos. Pedreneira, fulminante, rastilho, cano com estrias ou liso… Poderia até nem ter mira, quanto mais de precisão.

Mas, caramba, como eu gostaria de ter uma arma!

Que, se eu tivesse uma arma, estaria ali, numa caixa de madeira toda bonita. Ou mesmo de vidro. Ou até, quem sabe, peduradinha na parede, num suporte adequado.

Regularmente a tiraria de onde estava, a limpava, oleava, garantia o seu funcionamento correcto e seguro, assegurava que as munições estavam secas e em boas condições.

E voltava a colocar tudo no seu lugar, sempre à vista em casa.

Ui, caramba, como eu gostaria de ter uma arma!

Servir-me-ia ela, assim visível e funcional, como símbolo permanente e absurdo da minha condição sempre reclamada de homem livre!

Que usar uma arma de guerra, disparar sobre um ser humano, é das coisas mais horrendas que pode ser feita. E só poderá não o saber que o não tenha feito!

E eu, tendo uma arma (ai, como eu gostaria de ter uma!), seria garantido que a não usaria. Não porque as leis, os códigos sociais ou as leis mo impedissem. Não a usaria porque entendo que não deve ser usada sobre um ser humano. Não porque me fosse imposto mas antes porque o não quero fazer, sejam quais forem as circunstâncias.

Se eu tivesse uma arma em casa – e como gostaria de ter uma – teria a demonstração de ser um homem livre. Faria o quero com ela porque o entendo, em pleno uso da minha consciência e sem imposições de estranhos.

Que liberdade é isso: fazer ou não fazer por decisão própria e à margem de ditames externos, recentes ou ancestrais.

Eu não tenho uma arma em casa, por muito que gostasse de a ter.

Ai, mas como eu gostaria de ter este símbolo de liberdade.

No entanto, e apesar de tudo, enquanto eu depender de ícones para ser nunca o serei!

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