Por
esta altura estival e há uma trintena de anos, talvez mais, estava eu
saltitando de parque em parque, com a mochila e tenda às costas. Um deles foi
numa cidade de interior, cujo parque distava uns cinco quilómetros.
Calhou
ter a tenda sido montada virada para as traseiras, zona de campo agrícola, atravessada
por uma pequena ribeira, seca no verão, e um caminho com ponte, por onde via eu
o passar de carroças e motocicletas.
Uma
das tardes decidi percorrer esse caminho. Entrei nele pela estrada nacional que
o cruzava, passei pela ponte de pedra e segui. A dada altura, já longe de tudo
e todos e no meio de coisa nenhuma, com o calor de verão interior a bater-me em
cheio, oiço o som de partir pedra. Intenso, como se fosse ali mesmo ao lado.
Mas nada se via. Ninguém a trabalhar. Mas o ruído continuava, ferro na pedra,
pedra a rachar, pedra a rolar… e ninguém por perto ou ao alcance da vista
naquela planura.
Durou
uns longo segundos, não sei quantos mas longos, deixando-me realmente confuso,
até que desapareceu. Assim, de repente, tal como tinha surgido.
Quedei-me
no silêncio campestre, apenas interrompido por algumas cigarras, tentando
perceber o que estava a acontecer.
Foi
nesta altura que vi os penedos. Ladeavam o caminho, não muito altos, mas ainda
com as marcas bem visíveis de terem sido usados para deles se retirarem pedaços
úteis. Lascados. Fendidos. Fragmentados. Já cobertos de ervas e terra, mas bem notória
a intervenção humana no seu aproveitamento.
E
o mesmo tipo de pedra que cobria o caminho onde eu estava parado. E para onde
olhei com atenção. Por baixo dos meus pés aquilo que me pareceu ser uma via
romana, lajeada a todo o comprido, com bermas sólidas e duradoiras. E os
penedos em redor, supus, tinham fornecido o material necessário. Tal como para
a ponte, que olhei bem atento no regresso.
Passado
que é bem mais que um quarto de século, ainda estou por encontrar uma explicação
lógica e racional para o que ouvi naquela tarde. E guardo para mim as opções
mais estranhas.
Neste
local que aqui se vê isso não poderia ter acontecido.
As
pedreiras ficam bem longe, são mecanizadas e sobre a calçada passam bem mais
que apenas carroças e motos. Além do mais, estas pedras foram aqui colocadas
ainda não há três anos, talvez menos, que assisti à obra. Num local francamente
concorrido e templo do consumo moderno.
Os
ruídos, esses, são fáceis de justificar: motos, automóveis, camiões,
autocarros, de tudo aqui passa e tudo ruge nos seus motores de combustão. E,
ocasionalmente, ouve-se o saltar de uma destas pedras de encontro à chaparia
inferior dos veículos, com uma intensidade capaz de deixar o mais sonolento bem
desperto.
Os
antigos faziam as coisas à medida das necessidades de utilização e para serem
duradoiras. Hoje as coisas são feitas à medida das necessidades das empresas de
manutenção. Que se as vias não se danificarem, como sobrevivem aqueles que as
reparam?
E
que local mais óbvio para tal que mesmo em frente a um enorme centro comercial,
símbolo último do consumismo e da inutilidade?
By me
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