terça-feira, 30 de julho de 2013

Tempo e matéria



Por esta altura estival e há uma trintena de anos, talvez mais, estava eu saltitando de parque em parque, com a mochila e tenda às costas. Um deles foi numa cidade de interior, cujo parque distava uns cinco quilómetros.
Calhou ter a tenda sido montada virada para as traseiras, zona de campo agrícola, atravessada por uma pequena ribeira, seca no verão, e um caminho com ponte, por onde via eu o passar de carroças e motocicletas.
Uma das tardes decidi percorrer esse caminho. Entrei nele pela estrada nacional que o cruzava, passei pela ponte de pedra e segui. A dada altura, já longe de tudo e todos e no meio de coisa nenhuma, com o calor de verão interior a bater-me em cheio, oiço o som de partir pedra. Intenso, como se fosse ali mesmo ao lado. Mas nada se via. Ninguém a trabalhar. Mas o ruído continuava, ferro na pedra, pedra a rachar, pedra a rolar… e ninguém por perto ou ao alcance da vista naquela planura.
Durou uns longo segundos, não sei quantos mas longos, deixando-me realmente confuso, até que desapareceu. Assim, de repente, tal como tinha surgido.
Quedei-me no silêncio campestre, apenas interrompido por algumas cigarras, tentando perceber o que estava a acontecer.
Foi nesta altura que vi os penedos. Ladeavam o caminho, não muito altos, mas ainda com as marcas bem visíveis de terem sido usados para deles se retirarem pedaços úteis. Lascados. Fendidos. Fragmentados. Já cobertos de ervas e terra, mas bem notória a intervenção humana no seu aproveitamento.
E o mesmo tipo de pedra que cobria o caminho onde eu estava parado. E para onde olhei com atenção. Por baixo dos meus pés aquilo que me pareceu ser uma via romana, lajeada a todo o comprido, com bermas sólidas e duradoiras. E os penedos em redor, supus, tinham fornecido o material necessário. Tal como para a ponte, que olhei bem atento no regresso.
Passado que é bem mais que um quarto de século, ainda estou por encontrar uma explicação lógica e racional para o que ouvi naquela tarde. E guardo para mim as opções mais estranhas.

Neste local que aqui se vê isso não poderia ter acontecido.
As pedreiras ficam bem longe, são mecanizadas e sobre a calçada passam bem mais que apenas carroças e motos. Além do mais, estas pedras foram aqui colocadas ainda não há três anos, talvez menos, que assisti à obra. Num local francamente concorrido e templo do consumo moderno.
Os ruídos, esses, são fáceis de justificar: motos, automóveis, camiões, autocarros, de tudo aqui passa e tudo ruge nos seus motores de combustão. E, ocasionalmente, ouve-se o saltar de uma destas pedras de encontro à chaparia inferior dos veículos, com uma intensidade capaz de deixar o mais sonolento bem desperto.

Os antigos faziam as coisas à medida das necessidades de utilização e para serem duradoiras. Hoje as coisas são feitas à medida das necessidades das empresas de manutenção. Que se as vias não se danificarem, como sobrevivem aqueles que as reparam?

E que local mais óbvio para tal que mesmo em frente a um enorme centro comercial, símbolo último do consumismo e da inutilidade?

By me 

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