Atravessando um
jardim a pé, porque o seu carro se avariou com o calor, passa entre uma
palmeira e uma fonte, decorada com uma estátua de um querubim.
Nesse momento,
cruza-se com uma senhora (ou cavalheiro) que lhe parece vagamente familiar.
A medo interpelam-se
e acabam por se reconhecer: foram condiscípulos nos tempos distantes da escola
primária. Mais ainda, na inocência dessa idade, assumiram-se como namorados,
com as juras próprias de ser para toda a vida.
Emocionados,
abraçam-se fraterna, sentimental e longamente, após o que vão para um banco
desse jardim, onde trocam recordações, nomes e situações, bem como os
inevitáveis telefones, e-mails e nick no Facebook.
Separam-se com a
doce sensação de terem viajado no tempo, a um nicho da memória não conspurcado
pela vida adulta e crises económicas.
Em chegando a
casa, horas depois, diz-vos a vossa cara metade, em tom de poucos amigos:
“Então andamos a
trabalhar, hein? E o que são esses abracinhos e namoricos com esta serigaita
(ou marmanjo) num jardim?”
E, enquanto diz
isto, mostra-vos uma fotografia na net, feita por alguém desconhecido, feita
aquando do reencontro e abraço fraterno, tendo por fundo a fresca fonte, e com
a legenda:
“Afectos e amores
não escolhem climas.”
Por baixo da
fotografia, bonita e ternurenta, 258 “likes” e 27 partilhas. A fotografia
merecia-o, entenda-se.
O que não merecia
de todo era que aquele momento, intimo e inocente, fosse assim captado à
surrelfa e divulgado para todo o mundo, incluindo a outra metade do casal
sólido e feliz que forma.
Estou certo que
qualquer um que leia este texto consegue imaginar esta situação. Ou qualquer
outra equivalente, conduzindo a resultados tão inusitados.
Fotografar
desconhecidos, à revelia do seu conhecimento, e exibir essas imagens é uma
intrusão na privacidade das pessoas que, eventualmente, pode provocar confusões
e conflitos.
Mais do que está
escrito na Constituição da República e na lei avulsa, a Ética implícita na
posse e uso de uma câmara fotográfica tem que estar sempre presente em cada
momento e a cada registo.
Não basta
possuirmos uma câmara, cara ou barata, para que entendamos que o mundo é o
nosso território de caça. E uma carteira profissional de fotógrafo ou
jornalista não é uma licença de uso e porte d’arma, em que tudo nos é
permitido.
Lembrem-se disso
da próxima vez que decidirem sair de casa com uma câmara.
By me
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