sexta-feira, 5 de julho de 2013

Façamos um pequeno exercício de imaginação



Atravessando um jardim a pé, porque o seu carro se avariou com o calor, passa entre uma palmeira e uma fonte, decorada com uma estátua de um querubim.
Nesse momento, cruza-se com uma senhora (ou cavalheiro) que lhe parece vagamente familiar.
A medo interpelam-se e acabam por se reconhecer: foram condiscípulos nos tempos distantes da escola primária. Mais ainda, na inocência dessa idade, assumiram-se como namorados, com as juras próprias de ser para toda a vida.
Emocionados, abraçam-se fraterna, sentimental e longamente, após o que vão para um banco desse jardim, onde trocam recordações, nomes e situações, bem como os inevitáveis telefones, e-mails e nick no Facebook.
Separam-se com a doce sensação de terem viajado no tempo, a um nicho da memória não conspurcado pela vida adulta e crises económicas.

Em chegando a casa, horas depois, diz-vos a vossa cara metade, em tom de poucos amigos:
“Então andamos a trabalhar, hein? E o que são esses abracinhos e namoricos com esta serigaita (ou marmanjo) num jardim?”
E, enquanto diz isto, mostra-vos uma fotografia na net, feita por alguém desconhecido, feita aquando do reencontro e abraço fraterno, tendo por fundo a fresca fonte, e com a legenda:
“Afectos e amores não escolhem climas.”
Por baixo da fotografia, bonita e ternurenta, 258 “likes” e 27 partilhas. A fotografia merecia-o, entenda-se.
O que não merecia de todo era que aquele momento, intimo e inocente, fosse assim captado à surrelfa e divulgado para todo o mundo, incluindo a outra metade do casal sólido e feliz que forma.

Estou certo que qualquer um que leia este texto consegue imaginar esta situação. Ou qualquer outra equivalente, conduzindo a resultados tão inusitados.
Fotografar desconhecidos, à revelia do seu conhecimento, e exibir essas imagens é uma intrusão na privacidade das pessoas que, eventualmente, pode provocar confusões e conflitos.

Mais do que está escrito na Constituição da República e na lei avulsa, a Ética implícita na posse e uso de uma câmara fotográfica tem que estar sempre presente em cada momento e a cada registo.
Não basta possuirmos uma câmara, cara ou barata, para que entendamos que o mundo é o nosso território de caça. E uma carteira profissional de fotógrafo ou jornalista não é uma licença de uso e porte d’arma, em que tudo nos é permitido.

Lembrem-se disso da próxima vez que decidirem sair de casa com uma câmara.

By me

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