Quando
eu era pequeno não gostava de sopa. Mas não gostava mesmo, à imagem e semelhança
de muitas outras crianças d’aquém e d’alem mar.
Fazia
fita, argumentava, amuava… E só as fortes ameaças (algumas concretizadas) ou
brilhantes engodos me faziam deglutir aquela coisa que não era nem liquida nem
sólida, que não se bebia nem mastigava. Ainda hoje é um pouco assim.
Aquele
dia não foi diferente dos outros. Não queria mesmo comer a sopa! Mas uma ideia
brilhante assolou a mente de quem estava comigo e propôs-me um acordo: eu
comeria apenas metade da sopa. A metade do lado direito. Com a colher, traçou
um risco a meio do prato da sopa e do seu conteúdo e mostrou-me qual a minha
metade e qual a metade a deixar ficar no prato.
Aliciado
com esta indulgência súbita, ataquei o prato de sopa. Com todas as cautelas, a
colher mergulhava exclusivamente na minha metade, deixando virgem a outra. E
rapidamente, não fosse mudarem de ideias.
Claro
está que, quando rapei a última gota da minha metade, a outra fora comida
também!
Olhei
desconsolado para aquele prato vazio, percebendo que a tinha comido por
inteiro. E fiquei furioso!
Furioso
por ter sido enganado, por ter acreditado em quem deveria acreditar e que me
havia enganado!
Furioso
por ter aceite um negócio insuspeito e ter sido levado a fazer o que não
queria!
Fiquei
tão furioso que ainda hoje, passados que são bem mais de 40 anos, me recordo do
episódio, das circunstâncias, dos intervenientes, das sensações!
Ficou-me
de lição! Talvez tenha sido nesse dia que acordei para a hipocrisia e mentira,
para os engodos e aldrabices.
Hoje
continuo a desconfiar das ofertas muito generosas. Dos bancos, dos vendedores,
dos governos, dos empregadores, dos anónimos.
Perante
as promessas de “apenas metade” lembro-me sempre das outras metades que haveria
que engolir a contra-gosto se nelas acreditasse.
Lá
diz o povo e com razão: “Galinha gorda por pouco dinheiro, choca vai ela!”
By
me
Imagem:
algures na web
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