domingo, 3 de março de 2013

Em voo de pássaro




Já não tenho a energia que tinha. Não sou foto-reporter. Não é possível estar em todos os lados ao mesmo tempo.
Estas são três verdades, difíceis de contestar. E que, a cada dia que passa, mais eu as sei.
Por isso mesmo, a cada manifestação que vou indo, a minha opção enquanto caçador de troféus fotográficos é cada vez menos fazer o de fazer o tal retrato do acontecimento. Levei tempo (anos) a perceber que essa seria a atitude correcta, mas finalmente encontrei alguma paz comigo mesmo e com o que faço.
É assim que a minha abordagem a estes eventos passou a ser a que quem está lá, de quem faz ouvir a sua voz e protesto ou aplauso.
Se as câmaras vão comigo? Claro que vão. Nem eu me sentiria bem se as não levasse. Mas os registos que trago são os de quem esteve no meio daquilo e não os de quem esteve a ver aquilo. Que bem mais importante que os registos é a manifestação de todos nós, eu mesmo incluído.
Sobram, no meio de tudo isto (quiçá desculpas esfarrapadas para o fraco que trago) algumas opções ou experiências estéticas de luz ou perspectiva ou o aproveitar a maré de gente para as situações realmente incomuns.
E um dos motivos que me deixa realmente tranquilo no que respeita a não fazer a tal cobertura do acontecimento é a certeza de que, em havendo tantas câmaras no local, espelhadas por tantos lados e com tantas visões a usá-las, o tal registo é colectivo. A memória física e visual da história que vivemos é a de uns milhares de câmaras que estão no local.
Terão os historiadores, daqui por uns cinquenta anos, muito trabalho para recolher e estudar tanto material disperso. Mas terão a vantagem de terem acesso àquilo que o povo viveu e sentiu e não apenas ao que alguns poucos (bem ou mal) registaram.
E o exemplo acabado disto são as imagens de Abril de ’74. O uso da fotografia era restrito a pouco mais que uma elite que, muito entusiasta, ou com dinheiro ou porque profissional, podiam dispor de equipamento e consumíveis. Sobram, 39 anos depois, uma valente mão-cheia de imagens, algumas icónicas, mas restritas à visão dos fotógrafos existentes.
Muitos de nós não estaremos cá, daqui por 40 anos, para saber o que sobrará dos registos de agora. Mas terei muita curiosidade, se por cá eu estiver e lúcido, de ver o que o tempo se encarregará de conservar e filtrar.
Esta questão do “registo para memória futura” é, do meu ponto de vista, uma das principais “obrigações” de quem possui uma câmara fotográfica, seja qual for o seu nível qualitativo. Isso e o garantir que as imagens sobrevivem nos arquivos digitais, a salvo de excessos de selecção e economia de espaço.

By me 

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