domingo, 10 de março de 2013

Redondo




O meu projecto “À-Lá-Minuta” redundou em coisas várias de que não estava à espera. Suponho que como qualquer projecto de investigação que se preze.
Uma delas foi o ter constatado que estava a inverter a atitude generalizada dos fotógrafos.
Aquilo que é normal acontecer, e que faz parte do estereótipo do fotógrafo com que os jovens estudantes sonham, é partir-se para lugares distantes em busca de assuntos para fotografar. Formas e conteúdos. A luz, as gentes, as paisagens naturais ou urbanas, a fauna ou a flora. Procura-se lá longe aquilo que se supõe não ter à porta de casa.
Neste projecto aconteceu rigorosamente o oposto: escolhi um ponto no globo, quase ao pé da porta, com enquadramento constante e luz quase constante, e esperei que o mundo e os assuntos viessem ter comigo. Não planeava isto com esta leitura, mas foi o que aconteceu.
E esse mundo e assuntos traduziram-se na quantidade e variedade de gente que se plantou em frente da minha objectiva, com ou sem sorriso perante o “olha o passarinho”. Gente sem ocupação ou dinheiro a gente com muito dos dois. Analfabetos a ilustres das letras. Com todas as origens e perspectivas de futuro. Tenho os cinco continentes representados nas fotografias que então fiz.
De todas essas pessoas, todas enormemente importantes na sua individualidade e história de vida, várias há que recordo de cor. Em particular uma senhora que me fez sentir pequenino, pequenino.
De bastante idade, alemã de nacionalidade, ainda que vivesse em vários países incluindo Portugal, foi na sua juventude tradutora simultânea no julgamento de Nuremberg. E mais “uns trocos” que deixo ficar na privacidade do contado em confidência.
Alguém que ouviu o que esta senhora ouviu e que repetiu o que esta senhora repetiu sobre os acontecimentos atrozes do regime nazi, para além do que terá vivido antes dele e do que viveu depois dele é, para mim, uma heroína.
Quando regresso ao Jardim da Estrela, volta e meia vejo-a por lá. Não sei por quanto mais tempo, que a idade não perdoa a ninguém.
Mas não creio que, sem credenciais especiais e recomendações simpáticas, tivesse tido oportunidade de me cruzar e fotografar, entre gente das artes e das letras, da diplomacia e da recolha de lixo, sem abrigo e residentes em palacetes, com alguém tão especial e único.
Fica, como conclusão deste episódio, uma moral:
O mundo é redondo e se lhe formos dando a volta em busca do especial ou incomum, acabaremos por também o vir a encontrar no ponto de partida, mesmo à nossa porta.

By me 

Sem comentários: