O
meu projecto “À-Lá-Minuta” redundou em coisas várias de que não estava à
espera. Suponho que como qualquer projecto de investigação que se preze.
Uma
delas foi o ter constatado que estava a inverter a atitude generalizada dos fotógrafos.
Aquilo
que é normal acontecer, e que faz parte do estereótipo do fotógrafo com que os
jovens estudantes sonham, é partir-se para lugares distantes em busca de
assuntos para fotografar. Formas e conteúdos. A luz, as gentes, as paisagens
naturais ou urbanas, a fauna ou a flora. Procura-se lá longe aquilo que se supõe
não ter à porta de casa.
Neste
projecto aconteceu rigorosamente o oposto: escolhi um ponto no globo, quase ao
pé da porta, com enquadramento constante e luz quase constante, e esperei que o
mundo e os assuntos viessem ter comigo. Não planeava isto com esta leitura, mas
foi o que aconteceu.
E
esse mundo e assuntos traduziram-se na quantidade e variedade de gente que se
plantou em frente da minha objectiva, com ou sem sorriso perante o “olha o
passarinho”. Gente sem ocupação ou dinheiro a gente com muito dos dois.
Analfabetos a ilustres das letras. Com todas as origens e perspectivas de
futuro. Tenho os cinco continentes representados nas fotografias que então fiz.
De
todas essas pessoas, todas enormemente importantes na sua individualidade e
história de vida, várias há que recordo de cor. Em particular uma senhora que
me fez sentir pequenino, pequenino.
De
bastante idade, alemã de nacionalidade, ainda que vivesse em vários países
incluindo Portugal, foi na sua juventude tradutora simultânea no julgamento de
Nuremberg. E mais “uns trocos” que deixo ficar na privacidade do contado em
confidência.
Alguém
que ouviu o que esta senhora ouviu e que repetiu o que esta senhora repetiu
sobre os acontecimentos atrozes do regime nazi, para além do que terá vivido
antes dele e do que viveu depois dele é, para mim, uma heroína.
Quando
regresso ao Jardim da Estrela, volta e meia vejo-a por lá. Não sei por quanto
mais tempo, que a idade não perdoa a ninguém.
Mas
não creio que, sem credenciais especiais e recomendações simpáticas, tivesse
tido oportunidade de me cruzar e fotografar, entre gente das artes e das
letras, da diplomacia e da recolha de lixo, sem abrigo e residentes em
palacetes, com alguém tão especial e único.
Fica,
como conclusão deste episódio, uma moral:
O
mundo é redondo e se lhe formos dando a volta em busca do especial ou incomum,
acabaremos por também o vir a encontrar no ponto de partida, mesmo à nossa
porta.
By me
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