Pego
num livro mais ou menos ao calhas e sai-me este: “Dicionário das cores do nosso
tempo”, de Michel Pastoureau. Tem, por subtítulo “Simbólica e sociedade”.
Em
tempos entretive-me a divulga-lo por inteiro, tratando eu das ilustrações,
feitas mais ou menos a correr e de acordo com o que ia encontrando na web.
Abrindo-o
igualmente ao calhas, encontro esta entrada. A ilustração foi a que usei, há
oito anos:
Desbotado
Durante séculos, as
cores que não penetravam profundamente nas fibras do tecido, que não resistiam
ás lavagens frequentes nem aos raios do sol, que davam aos tecidos e aos fatos
um aspecto desbotado,
deslavado, descorado, “mijado”, foram tidas em pouca consideração. Eram sinal
de pobreza, reservados para os fatos de trabalho, ou até mesmo para os fatos de
infâmia (nomeadamente na iconografia). O chiquíssimo era então a cor densa,
saturada, estável, sólida, que resistia tanto à água como ao ar ou à luz. Numa
palavra, a cor “tinta forte”, que durante décadas, no final do século XIX e no
início do século XX, os fabricantes de têxteis e de fatos elogiaram e os
vendedores de lixívias e os construtores de máquinas de lavar se esforçaram
por não alterar (ao princípio, em vão).
Hoje em dia, a “tinta
forte” já não é um valor. Todas as cores, aplicadas aos mais diversos materiais
têxteis, são “tinta forte garantida”. O desbotado e o mijado tornaram-se,
portanto, raridades e, por consequinte, particularidades procuradas. Como
tantas vezes acontece, o pêndulo inclinou-se na outra direcção e a escala de
valores inverteu-se. Assim, vendem-se, hoje em dia, camisas, T-shirts, calças,
roupa interior, fatos de banho e de desporto, com um aspecto desbotado (muitas
vezes, desbotado e roçado). E são mais caros do que as roupas com tintas
sólidas e uniformes. O mais extraordinário (e também o mais absurdo) é que
todos esses tons desbotados, que parecem girar à volta de cores instáveis, se
tornaram duma espantosa solidez e, uma vez aplicados ao tecido, já não
evoluem, nem com a lavagem nem com o sol. São “tinta forte”.
Foi na gama dos azuis
que estas práticas se tornaram mais correntes, tendo sido os blue .jeans os primeiros a lançar essas modas e a articular as
combinações mais desabridas. A tal ponto que, em domínios que nada têm a ver,
nem com a roupa nem com os tecidos, se diz hoje, em francês corrente, ,jean e mesmo stoned jean ou bleached
jean para
designar certos tons de azul. Em Toulouse (antiga cidade do pastel) e em Marselha
(antiga cidade do anil) deve haver muitos tintureiros a dar voltas no túmulo.
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