segunda-feira, 11 de março de 2013

Objectivas primárias




Não me vou pôr agora aqui a argumentar sobre as vantagens técnicas das objectivas primárias ou focais fixas sobre as zooms. Seria tão inconsequente quanto um beneditino e um franciscano estarem à conversa sobre as vantagens de se ir para o céu. Quando todos nós sabemos que os amigos e conhecidos estão no inferno.
Vou antes contar que quando comecei a trabalhar em captação de imagem, fotográfica e videográfica, as objectivas zoom eram um luxo. Particularmente caras, quando comparadas com as focais fixas, estavam reservadas para os profissionais de alto gabarito ou os amadores com grandes posses.
Mesmo em televisão, nessa altura as câmaras estavam equipadas com torres de objectivas, como esta, havendo poucas com zoom. E as que as tinham estavam cativas para quem com elas sabia trabalhar com bom rendimento, estando arredadas de maçaricos como eu.
Tenho que agradecer a quem assim decidia. Que o então futuro, hoje passado e presente, veio a dar-lhes razão.
As objectivas zoom são práticas, sem sombra de dúvida. No lugar de mudar de objectiva, basta rodar o anel ou carregar no botão e logo temos o assunto com a dimensão que queremos, quer seja enchendo a imagem, quer seja abarcando todo o horizonte.
Mas estas objectivas têm um enorme defeito: tornam os fotógrafos, videografos ou cinematógrafos preguiçosos. Que este “dar ao botão ou rodar o anel” impede os que estão menos sensibilizados, ou não têm a prática, de procurar outras perspectivas. Porque é mais fácil rodar o anel que pensar. Porque é mais fácil carregar no botão que desligar a câmara, mudar de objectiva, tornar a ligar, controlar de novo foco e exposição… Que trabalheira, quando um simples gesto faz tudo!
Faz tudo menos explorar o uso de perspectiva, faz tudo menos incentivar o uso da zoom mais simples que temos: os pés.
Usar uma objectiva primária, principalmente se a panóplia de distâncias focais disponíveis for limitada, leva-nos a mudar de posição, a aproximarmo-nos ou afastarmo-nos do assunto e, com isso, mudar de perspectiva e os tamanhos aparentes dos elementos na imagem variarem. Para melhor ou para pior é uma questão a ver na altura, mas que se cria uma imagem diferente, lá isso cria.
E se o advento da fotografia digital veio democratizar o acesso à produção de imagem, permitindo que muitos tenham acesso a ela face aos seus custos, a proporção de gente que surgiu a fazer bons enquadramentos, infelizmente, não acompanhou esta explosão demográfica da fotografia. O facilitismo das zooms impediu-os de tal aprenderem.
Em acções de formação, escolar ou não, tenho levado os formandos a auto-impedirem-se de usar a variação de distância focal das zooms. Em trabalhos práticos, seja em colectivo ou a solo, tenho-lhes proposto que façam os registos de imagem durante todo um dia (ou sessão, ou semana) apenas em grande angular ou a meio curso da zoom, ou com ela toda fechada. E que encontrem soluções técnicas e estéticas para os problemas que advêm de tal método.
Entre outras soluções, a alteração de perspectiva. Ou o saber retirar do todo apenas a parte que interessa.
Com a massificação das zooms, este exercício implica uma auto-disciplina aturada, que a vontade de apertar ou alargar o ângulo de visão é sempre imensa. Mas os proveitos daquilo que se aprende, da prática adquirida, da ginástica mental envolvida, da organização do olhar e dos elementos no rectângulo, do saber fazer ainda antes de pegar na câmara… são imensos.

Para os que lerem estas linhas fica a sugestão:
De quando em vez decidam que nesse dia só irão usar uma só abertura de zoom, aberta, a meio gás ou fechada. E não importa que não consigam fazer o queriam. A prática adquirida superará, de longe, os troféus fotográficos que não conseguiram trazer para casa.

By me 

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