Não me vou pôr
agora aqui a argumentar sobre as vantagens técnicas das objectivas primárias ou
focais fixas sobre as zooms. Seria tão inconsequente quanto um beneditino e um
franciscano estarem à conversa sobre as vantagens de se ir para o céu. Quando
todos nós sabemos que os amigos e conhecidos estão no inferno.
Vou antes contar
que quando comecei a trabalhar em captação de imagem, fotográfica e videográfica,
as objectivas zoom eram um luxo. Particularmente caras, quando comparadas com
as focais fixas, estavam reservadas para os profissionais de alto gabarito ou
os amadores com grandes posses.
Mesmo em
televisão, nessa altura as câmaras estavam equipadas com torres de objectivas,
como esta, havendo poucas com zoom. E as que as tinham estavam cativas para
quem com elas sabia trabalhar com bom rendimento, estando arredadas de
maçaricos como eu.
Tenho que
agradecer a quem assim decidia. Que o então futuro, hoje passado e presente,
veio a dar-lhes razão.
As objectivas zoom
são práticas, sem sombra de dúvida. No lugar de mudar de objectiva, basta rodar
o anel ou carregar no botão e logo temos o assunto com a dimensão que queremos,
quer seja enchendo a imagem, quer seja abarcando todo o horizonte.
Mas estas
objectivas têm um enorme defeito: tornam os fotógrafos, videografos ou cinematógrafos
preguiçosos. Que este “dar ao botão ou rodar o anel” impede os que estão menos
sensibilizados, ou não têm a prática, de procurar outras perspectivas. Porque é
mais fácil rodar o anel que pensar. Porque é mais fácil carregar no botão que
desligar a câmara, mudar de objectiva, tornar a ligar, controlar de novo foco e
exposição… Que trabalheira, quando um simples gesto faz tudo!
Faz tudo menos
explorar o uso de perspectiva, faz tudo menos incentivar o uso da zoom mais
simples que temos: os pés.
Usar uma objectiva
primária, principalmente se a panóplia de distâncias focais disponíveis for
limitada, leva-nos a mudar de posição, a aproximarmo-nos ou afastarmo-nos do
assunto e, com isso, mudar de perspectiva e os tamanhos aparentes dos elementos
na imagem variarem. Para melhor ou para pior é uma questão a ver na altura, mas
que se cria uma imagem diferente, lá isso cria.
E se o advento da
fotografia digital veio democratizar o acesso à produção de imagem, permitindo
que muitos tenham acesso a ela face aos seus custos, a proporção de gente que
surgiu a fazer bons enquadramentos, infelizmente, não acompanhou esta explosão
demográfica da fotografia. O facilitismo das zooms impediu-os de tal
aprenderem.
Em acções de
formação, escolar ou não, tenho levado os formandos a auto-impedirem-se de usar
a variação de distância focal das zooms. Em trabalhos práticos, seja em
colectivo ou a solo, tenho-lhes proposto que façam os registos de imagem
durante todo um dia (ou sessão, ou semana) apenas em grande angular ou a meio
curso da zoom, ou com ela toda fechada. E que encontrem soluções técnicas e estéticas
para os problemas que advêm de tal método.
Entre outras soluções,
a alteração de perspectiva. Ou o saber retirar do todo apenas a parte que
interessa.
Com a massificação
das zooms, este exercício implica uma auto-disciplina aturada, que a vontade de
apertar ou alargar o ângulo de visão é sempre imensa. Mas os proveitos daquilo
que se aprende, da prática adquirida, da ginástica mental envolvida, da
organização do olhar e dos elementos no rectângulo, do saber fazer ainda antes
de pegar na câmara… são imensos.
Para os que lerem
estas linhas fica a sugestão:
De quando em vez
decidam que nesse dia só irão usar uma só abertura de zoom, aberta, a meio gás ou
fechada. E não importa que não consigam fazer o queriam. A prática adquirida
superará, de longe, os troféus fotográficos que não conseguiram trazer para
casa.
By me
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