quinta-feira, 10 de março de 2011

Telefones



Não andava nem depressa nem devagar. Andava na sua velocidade.
Chegava-se aos clientes, recebia as suas encomendas, desaparecia por entre as prateleiras e regressava com os braços cheios de papeis, sobrescritos, canetas, borrachas, réguas, lápis, blocos e cadernos, o que quer que fosse que lhe tivessem pedido. Volta e meia voltava atrás para confirmar um detalhe, mas tudo vinha aparecendo em cima do balcão.
Aliás o balcão de madeira, vetusto e carcomido pelos embates dos pacotes, pouco mais velho seria que aquele caixeiro que nele pousava o que vendia.
Quando entrei, já lá estariam uns três ou quatro clientes que pacatamente aguardavam vez.
De súbito tocou o telefone. Ninguém reagiu, até porque os telemóveis eram uma invenção do futuro. E aquele de digital tinha apenas o dígito com que se rodava o mostrador.

TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.

Nem o bom do vendedor se interrompeu, que o ignorava como se de um surdo total se tratasse, continuando na sua tarefa de atender o cliente.

TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.

Ao fim de um pedaço, um dos outros clientes que, como eu, aguardava vez e achava estranho que ele não o atendesse, chamou-lhe a atenção para o aparelho que retinia.
A resposta foi bem clara:
“O telefone só toca porque clientes que não querem esperar gostam de fazer as suas encomendas e tê-las prontas quando cá chegam.
Mas os senhores já cá estavam.
Quando chegar a vez dele, logo o atendo.
É a seguir àquele cavalheiro!”
O silêncio que se fez só era interrompido pelo toque estridente da campainha. Que cedo se calou. Quem quer que estivesse do outro lado do fio deve ter percebido a lição.
E quem diz que há que ter um curso superior para dar lições?...


Texto e imagem: by me

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