terça-feira, 15 de março de 2011

Conversas de café



A conversa surgiu naturalmente. Sabem como é, como as cerejas…!
De um lado para o outro do balcão, às saudações matinais seguiram-se os queixumes regulares nas conversações portuguesas: o tempo, o trabalho, o dinheiro… Deu direito até a frases feitas como: “Odeio o dinheiro! Não descanso enquanto não me vejo livre dele!” ou ainda “ Se a merda valesse dinheiro, os pobres nasciam sem cu!”
Mas depois a conversa descambou. Descambou para o sério, com algumas noções sobre a origem do dinheiro, sobre a importância que ele tem na afirmação social e individual, da relativização do seu valor.
E sobre as classes sociais e as teorias socialistas e comunistas, com Marx, Lenine e Mao pelo caminho. Da beleza das ideias e ideais e de como, para as aplicar, se fizeram atrocidades entremeadas com coisas muito belas.
A conversa durou um café acompanhado com uma bola com creme, seguida de outro café igualmente cheio.
Não foi, portanto, uma conversa nem longa nem profunda, aflorando uns pontos aqui, arranhado outros ali.
Quando acabou, melhor, quando a interrompi para pegar na câmara e no chapéu e vir cá para fora tratar de fumar um cigarrito, olhei em redor e fiquei assustado.
Tinha uma plateia de mais de uma dúzia de gente em silêncio, nas mesas ou, como eu, ao balcão e de pé, ouvindo o meu discurso, que até nem era acalorado.
Passei os olhos por aquela gente, que de súbito, ficou muito ocupada em mexer a bica fria ou em sorver as últimas gotas da meia de leite. E fiquei com uma certeza:
De ora avante ficarei com um rótulo na testa que se sobreporá a todo o resto. O tipo do chapéu e das barbas é um perigoso comunista, um subversivo radical, quem sabe até se um membro da Al Qaeda.
Ao tomar consciência disto, sorri. Sorri tristemente por serem aplicados rótulos estereotipados, não havendo distinções entre estes e os sonhos, ideais ou utopias. Que, com boa vontade e trabalho, vou (vamos) construindo, não pelos caminhos dos outros mas antes pelo que nós mesmos vamos traçando.
Resta-me uma consolação: esta conversa teve lugar agora, já na segunda década do séc. XXI.
Se tivesse acontecido há trinta e muitos anos atrás, daria direito a prisão e complicações. Para todos os envolvidos, comigo à cabeça.
Ou, pelo andar da carruagem, se tiver lugar daqui a mais trinta anos (talvez nem tanto) e se não tivermos cuidado até lá, dará azo igualmente a prisão, recondicionamento intelectual ou pior ainda.
Aproveitemos enquanto somos livres de o fazer!

A propósito: a pessoa com quem conversei ficou curiosa e quis saber mais.


Texto e imagem: by me

Sem comentários: