domingo, 6 de março de 2011
Restos
Quando eu afirmo para alguém “Bom dia!” ou “Boa viagem!” ou “Bom apetite!” estou, na verdade, a formular um desejo, reduzindo a frase ao mínimo: “Desejo que tenha um bom dia!”, “Desejo que tenha uma boa viagem!”, “Desejo que tenha um bom apetite!”.
Preguiçoso que é o português, eliminámos da língua corrente o “Desejo que tenha…”. Já a quem fala a língua inglesa não passará pela cabeça contrair a fresa “Have a nice day” para “Day”. E o inglês é uma língua simplificada, quase que para estúpidos.
Mas sendo a língua uma coisa viva, evolutiva (à margem dos acordos ortográficos e afins) de quando em vez surgem novos vocábulos, ou expressões, resultantes de novas situações ou da imaginação de criativos autores das letras ou da imagem animada. Algumas expressões ficam, outras são efémeras, outras ainda reduzem a sua sobrevivência a um reduto etário ou geográfico.
Uma expressão que tenho vindo a ouvir, cada vez com mais frequência, incomoda-me um pouco.
Na sua raiz estará “Tenha um resto de bom dia!”, “Tenha um resto de boa viagem!” ou “Tenha um resto de bom apetite!”, mas aquilo que mais se ouve é “Um resto de bom dia!”, “Um resto de boa viagem!” ou “Um resto de bom apetite!”.
Este “Um resto” aborrece-me, incomoda-me, “faz-me saltar a tampa!”
Por um lado que, ao reduzir os votos positivos apenas ao provir, deixando de parte o que foi, vai na linha dos jogos modernos e do seu funcionamento: “the game is over! Start new game!” O passado não interessa, é letra morta.
E, no entanto, foi no passado que cresceu o presente que, por sua vez, será o passado do futuro. Se não usamos o passado, a história, para aprendermos para o futuro, estaremos condenados a cometer os mesmos erros ad eternum.
Por outro lado, e em pegando a moda, estaremos também condenados a viver de restos. Sei que é isso que alguns “muito importantes” dos tempos que correm querem. Mas não é isso que desejo para mim ou para os que me cercam ou virão.
Mas o pior desta afirmação é ainda outro: na tentativa de abreviar a saudação e dela fazer a fina flor da etiqueta, alguns há que se limitam a proferir um minimalista “Um resto!”
Ora batatas! Para esses, uns restos também. E daquilo que quiserem!
Texto e imagem: by me
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