segunda-feira, 14 de março de 2011
Naturalmente
Eu tinha a obrigação de saber. Já tinha passado por uma parecida mas varreu-se-me.
Quis eu colocar uma prateleira. A encaixar certinha entre duas paredes, num recanto da dispensa.
As medidas foram feitas. Largura e profundidade. Calculado o peso a suportar, a espessura da madeira bem como as polés de fixação de suporte e as respectivas fixações.
Fui à loja, comprei o que faltava, e regressei para “dar uma de construtor civil”.
Mas não pude!
Não pude porque o rigor não faz parte do vocabulário e da prática dos construtores civis.
A prateleira não cabia no espaço! Furioso, refiz as medidas e estavam certas. O que não estavam certos eram os cantos das paredes. O que deveria ter 90º tinham a mais ou a menos. Suponho que, por aproximação, a média dos dois cantos daria 90º, mas não fui medir.
Tratei foi de, só mesmo para tirar as dúvidas, verificar se haveria alguma esquina em casa com 90º. Ou 270º, se quisermos.
Munido de um esquadro de carpinteiro, aferido por dois de desenho e por um transferidor, parti a inspeccionar os cantos à casa.
Da casa passei ao prédio. Parecia um tontinho, munido de um esquadro de meio metro na mão, a medir esquinas e cantos.
E nem um! Nem um só que fosse a excepção que confirmasse a regra. Não encontrei um só ângulo recto em alvenaria. Encontrei-os, isso sim, em trabalhos de carpintaria e de serralharia. Agora de pedreiro…
Vivemos numa sociedade quantificadora.
Sabemos quanto tempo leva um fotão a viajar do sol até à terra; Sabemos quanto vale o deficit e qual o peso médio do cérebro humano.
Aplicamos limites mínimos e máximos em tudo quanto é coisa: velocidade, avaliações académicas, salários.
Justificamos, com padrões industriais ou aleatórios, os limites da arte, impondo-lhes molduras (em talha dourada, alumínio anodizado ou pixels coloridos).
Transpomos para números tudo o que fazemos: produtividade, xadrez, regra de ouro.
Calculamos, com uma margem de erro mínima, a trajectória de um cometa e se acertará no nariz de uma ovelha tresmalhada nas estepes transiberianas.
Mas não sabemos aplicar um ângulo recto num edifício!
Num simples edifício!
Um entre muitos milhares!
A moldura é aquilo que molda, a teoria dos limites tende para infinito e o ângulo recto ferve a 90º, naturalmente!
Texto e imagem: by me
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