quinta-feira, 17 de março de 2011

O preto e o azul



Na noite de 31 de Dezembro de 1999 eu estava de serviço.
O trabalho acabou cerca das 22.30 e, não tendo nada de particular previsto para essa noite, fui para casa. Autocarro e comboio, ao que se seguiriam 1800 metros a pé.
Não sei se por uma questão de tradição ferroviária se por cautela com o então chamado “bug do ano 2000”, a verdade é que o comboio suburbano em que seguia parou numa das estações do seu percurso em faltando uns dois minutos para a meia-noite se só retomou a marcha em passados uns bons cinco minutos da hora certa.
Na carruagem onde seguia estava uma meia dúzia de gatos-pingados. Bem, talvez uma dúzia! Brancos, pretos, suponho que amarelos mas não me recordo, e nenhum azul, que me teria ficado na memória.
Vestidos como sempre, tal como eu, ou com fatiotas de festa, certamente a caminho de uma qualquer celebração para regar bem regado o ano novo e o falso novo século.
Ao bater da meia-noite – melhor, ao estalar, que nem sinos nem carrilhões ouvi, mas foguetes foram muitos – o maquinista saudou o momento com repicados toques da sua buzina, em coro com a demais chinfrineira que se fazia ouvir. E, na carruagem onde eu seguia, a festa começou. Pelo menos em metade dela.
Os brancos ficaram impávidos e serenos, como se nada acontecesse, talvez apenas um esticar de pescoço para ver, ao longe, o fogo de artifício. Se algum sorriso animou as suas expressões, ou foi de fugida ou eu estava de costas para o seu dono.
Agora os pretos… E saltaram, e bateram palmas, e gargalharam, e abraçaram-se, e cumprimentaram conhecidos e desconhecidos, pretos, brancos, algum amarelo que por lá estivesse e só não se riram para algum azul porque primava pela ausência.
Confesso que na minha cara se estampou um sorriso divertido. Não apenas pelos contrastes a que assistia como por duas moças, de vinte e picos, terem-se abraçado, beijado, borrado a maquiagem que traziam e uma delas ter gritado entusiasmada:
“Conseguimos! Conseguimos cá chegar!”
Não sei se se referia à estação se ao minuto, mas estou em crer que o motivo da alegria seria o novo século, fosse ou não aquela a sua fronteira.
Para os que franzem o nariz às cores diferentes da sua, aqui fica um reparo:
“As cores escuras ficam muito mais facilmente coradas de alegria que os cara-pálidas, que viram verdes de sensaboria!”
Quanto aos azuis não sei, que ainda não vi nenhum!

Texto e imagem: by me

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