Eu
tinha a obrigação de saber. Já tinha passado por uma parecida mas varreu-se-me.
Quis
eu colocar uma prateleira. A encaixar certinha entre duas paredes, num recanto
da dispensa.
As
medidas foram feitas. Largura e profundidade. Calculado o peso a suportar, a
espessura da madeira bem como as polés de fixação de suporte e as respectivas
fixações.
Fui
à loja, comprei o que faltava, e regressei para “dar uma de construtor civil”.
Mas
não pude!
Não
pude porque o rigor não faz parte do vocabulário e da prática dos construtores
civis.
A
prateleira não cabia no espaço! Furioso, refiz as medidas e estavam certas. O
que não estavam certos eram os cantos das paredes. O que deveria ter 90º tinham
a mais ou a menos. Suponho que, por aproximação, a média dos dois cantos daria
90º, mas não fui medir.
Tratei
foi de, só mesmo para tirar as dúvidas, verificar se haveria alguma esquina em
casa com 90º. Ou 270º, se quisermos.
Munido
de um esquadro de carpinteiro, aferido por dois de desenho e por um
transferidor, parti a inspeccionar os cantos à casa.
Da
casa passei ao prédio. Parecia um tontinho, munido de um esquadro de meio metro
na mão, a medir esquinas e cantos.
E
nem um! Nem um só que fosse a excepção que confirmasse a regra. Não encontrei
um só ângulo recto em alvenaria. Encontrei-os, isso sim, em trabalhos de
carpintaria e de serralharia. Agora de pedreiro…
Vivemos
numa sociedade quantificadora.
Sabemos
quanto tempo leva um fotão a viajar do sol até à terra; Sabemos quanto vale o
deficit e qual o peso médio do cérebro humano.
Aplicamos
limites mínimos e máximos em tudo quanto é coisa: velocidade, avaliações
académicas, salários.
Justificamos,
com padrões industriais ou aleatórios, os limites da arte, impondo-lhes
molduras (em talha dourada, alumínio anodizado ou pixels coloridos).
Transpomos
para números tudo o que fazemos: produtividade, xadrez, regra de ouro.
Calculamos,
com uma margem de erro mínima, a trajectória de um cometa e se acertará no
nariz de uma ovelha tresmalhada nas estepes transiberianas.
Mas
não sabemos aplicar um ângulo recto num edifício!
Num
simples edifício!
Um
entre muitos milhares!
A
moldura é aquilo que molda, a teoria dos limites tende para infinito e o ângulo
recto ferve a 90º, naturalmente!
By me
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