Por isso
mesmo, e porque as nuvens estavam cerradas, estranhei-lhe os óculos.
Que eram escuros,
daquele escuro que anunciam na TV e os chineses vendem ao preço da chuva. Que caía.
Não era nem nova
nem velha. Nem bonita nem feia. Nem bem nem mal vestida. Semblante fechado, era
apenas uma mulher que, numa estação de caminho-de-ferro em dia de chuva, usava óculos
escuros.
Estranhei.
Partilhámos a
mesma carruagem. E sentando-me eu à janela e de frente para a máquina, ficou
ela na coxia, de frente para mim, dois bancos mais à frente. Calhou.
Tal como calhou eu
estar a olhar para ela, estranhando os óculos, quando os tirou e limpou o que
corria sob eles. E por cima do negro de sangue derramado, logo abaixo deles.
Bem escondido pelos óculos bem escuros.
Desviei os olhos.
E desviei-me daquela carruagem, mudando de comboio mais cedo do que é normal.
Não quis que os
meus olhos denunciassem o saber o que se escondia sob aqueles óculos bem
escuros. E a vergonha que tenho de partilhar a mesma espécie de quem tal fez.
E eram bonitos os
olhos assim escondidos!
By me
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