Faz
tempo que me não acontecia: madeira mais que rija, parafusos calcinados e muito
bem agarrados, bolhas na mão.
Talvez
que tenha mãos de menina. Talvez que câmaras e tripés, botões e ofícios
correlativos, não criem pele rija quanto baste para enfrentar reparações de
marcenaria deste calibre.
Mas,
em qualquer dos casos, estas bolhas recordaram-me muito alegremente umas outras
equivalentes. No trabalho e na alegria.
Estávamos
na Páscoa de ’75. Os tempos eram confusos e a certeza de ter o futuro nas
nossas mãos suplantava, de longe, os escolhos que íamos encontrando.
Este
primeiro ano lectivo do pós-revolução foi confuso. Muito. Programas e conteúdos,
métodos e abordagens, relações hierárquicas e sociais… acima de tudo o não
haver ensino segregado por género. Ensino oficial com escolas mistas era também
novidade.
Para
todos, incluindo alunos e alunas, que não estávamos habituados a lidar no
quotidiano com o sexo oposto. Não era fácil aquilo, e tivemos que descobrir, de
súbito, como o encarar e viver.
No
meio de tudo isto, o material escolar foi-se degradando. Por material escolar
incluo mobiliário: mesas, cadeiras, carteiras… A dado passo, havia que dividir
um assento por dois rabos, que não havia que chegasse para todos.
Pois
uns quantos de nós, enquadrados por um continuo solícito, voluntarizamo-nos e
passámos metade das férias da Páscoa no sótão do liceu, reparando mesas e
cadeiras.
Não
imaginam, decerto, o quão rija é aquela madeira. Rija de desaparafusar. Rija de
aparafusar. Rija de serrar. Rija de martelar. Rija de moldar.
No
fim daquela semana havia muitas mais mesas, cadeiras e carteiras para
distribuir pelas salas de aula do que pensávamos que fosse possível. E havia
muitas mãos cheias de bolhas. Daquelas bem altas, cheias de líquido, que
secávamos com uma linha atravessada nela com a ajuda de uma agulha.
Bolhas
dolorosas e alegres.
Bolhas
que provocavam queixumes entre gargalhadas e que se aguentavam firmes com o
receber de novo no dia seguinte o cabo da chave de fendas ou do serrote.
Bolhas
que nos enrijeceram as palmas das mãos e da alma, que aprendemos com elas que o
futuro é nosso e que temos que o construir.
Bolhas
que se aguentaram firmes quando batemos palmas ao distribuir o recuperado pelas
salas de aula, tornando-as compostinhas e apetecíveis.
Bolhas
que se têm reproduzido ao longo dos anos, sempre com a mesma alegria de saber
que o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.
Bolhas
de fazer um mundo melhor sabem a mel e fazem-nos cócegas na alma.
By me
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