O
meu primeiro trabalho fotográfico profissional ou, se preferirem, a troco de
dinheiro, aconteceu por acaso.
Telefonou-me
uma amiga perguntando-me se eu estaria na disposição de ir fotografar a peça de
teatro onde o marido trabalhava. Ela sairia de cena nesse domingo e não havia
imagens recolhidas.
Nunca
eu tinha feito tal coisa, mas os desafios são para serem aceites, e fui.
Mas
a minha inexperiência levou-me a ser cauteloso e tentar usar o pouco que sabia
destas coisas. Recordando o que tinha aprendido na minha igualmente curta
experiência televisiva, assisti a uma representação no sábado de tarde, tomando
notas como um louco furioso sentado na plateia. Mais tarde, em torno de umas
sandochas e entre a matiné e a soirée, revi os apontamentos com a ajuda da
minha amiga que conhecia bem a peça em causa.
Nessa
noite fotografei-a, na tarde seguinte igualmente e a peça saiu de cena.
A
sala era incomum, já que não existia proscénio clássico. O palco avançava para
a plateia, criando três frentes de público e, consequentemente, três frentes de
representação. Para complicar a coisa, a encenação concebia vários pontos de acção
simultânea que, se no enredo eram no mesmo ponto temporal, não o eram no mesmo
ponto espacial. E vice-versa.
Para
“ajudar à festa”, para além da profundidade do palco, o desenho de luz, que era
bonito, pecava por ser escasso, melhor, por trabalhar com níveis de luz
baixíssimos. Isto obrigava-me a usar a objectiva de 50mm, já que mais luminosa
e só de quando em vez a 150mm.
Escolhi
três pontos de vista e ia fazendo o trabalho de cada um deles em função do que
sabia ir acontecer para aquele enfiamento ou perspectiva.
De
regresso ao laboratório, debati-me de novo com a minha inexperiência: ainda nem
tinha gasto a primeira caixa de 100 folhas de papel preto e branco. Tratei
aqueles seis rolos de TriX, de sensibilidade nominal de 400ASA mas expostos a
800 como se de relíquias se tratassem e fiz as provas de contacto.
E
levei-as ao actor que me tinha pedido o trabalho. Meio cabisbaixo, que não
tinha grande fé no que tinha feito.
Viu
ele, viram os demais actores, viu a direcção da companhia e regressei a casa com
umas centenas largas de cópias para imprimir. Todos tinham gostado do que ali
se mostrava.
A
partir dali, e durante uns anos, fui o fotógrafo exclusivo daquela companhia,
não sendo mais ninguém autorizado a recolher imagens.
Durante
esse tempo, acompanhei os ensaios de cada peça a estrear, sabendo os textos e
as marcações quase tão bem quanto os actores. E tive o privilégio de assistir
ao trabalho de direcção de actores feito por aquela Senhora que dava pelo nome
de Luzia Maria Martins.
Disse-me
ela que a diferença do meu trabalho sobre os demais que andavam então por cá a
fotografar teatro (passe-se a imodéstia) é que eu contava a estória
representada, enquanto que os outros fotografavam actores. Nem sempre, nas
minhas fotografias, os actores tinham a melhor expressão ou a pose mais
agradável. Mas eram as que retratavam os sentimentos expressos em palco.
Foi
a fazer este trabalho, ainda que só bem mais tarde me tenha apercebido disso,
que aprendi e interiorizei o que de mais há de importante na comunicação em
geral e na fotografia em particular:
Por
muito bonitas ou espectaculares que possam ser as imagens, se eu, enquanto
fotógrafo, não conhecer bem o que estou a registar, as imagens não passarão
disso: bonitas e espectaculares.
O
conhecimento (caramba! O que se poderia dizer sobre esta palavra ou conceito!)
é a pedra de toque para uma boa tomada de vista.
Há
que olhar, ver e só então captar. Para que depois possam ser olhadas e,
principalmente, vistas!
By me
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