São tão pé-rapado
quanto eu!
Parte das suas
conversas versam a carestia da vida, o quanto estamos a ser roubados pelos políticos,
o quanto algumas horas extra de trabalho, ainda que agora mais mal pagas,
ajudam a compor os orçamentos, que itens se acrescentam às declarações de IRS
para que as devoluções sejam maiores, discutem onde a gasolina é mais barata e
como o comprar pela web pode fazer poupar uns tostões.
São conversas em
que não costumo participar. Não que os temas não sejam importantes, mas antes
porque entendo que qualidade é mais importante que quantidade e porque, vistas
bem as coisas, há quem neste país esteja em muito piores lençóis que eu mesmo
ou aqueles que têm estas conversas.
Mas são
exactamente estes que também discutem as cotações da bolsa e dos câmbios internacionais
e que vão argumentando sobre se devem vender ou comprar agora ou antes esperar
que os preços estejam mais favoráveis.
Por outras
palavras: são, como eu, gente que vive do seu salário e mal pago, mas insiste
em ir alimentando parte daquilo que justifica esse mau pagamento: a especulação.
Com acções na bolsa, com compra e venda de moeda.
Esquecem-se eles
que é essa mesma especulação que faz com que os preços do que consumimos seja o
que é e que faz com que alguns nem se possam dar ao luxo de ter salários
garantidos. E que foi essa mesma especulação que fez rebentar a chamada “crise”
em que vivemos. Ainda que seja um termo que conheço de criança.
Quando a conversa
salta de como o salário mal chega ao fim do mês para as cotações bolsistas, tento
discretamente afastar-me, quer seja da mesa da refeição em comum, quer seja de
uma pausa para um cigarro.
Porque ou bem que
me afasto ou bem que manifesto sonora e veementemente o meu nojo por quem se me
irmana no quotidiano e, ao mesmo tempo, tenta ganhar dinheiro como sofrimento
dos outros.
Até hoje tenho
conseguido não ser nem mal-educado nem agressivo: apenas polido. Mas não
garanto, pelo caminho que o país toma, que um destes dias arranje uns quantos
de inimigos.
Que não nada pior
que um pé-rapado querer deixar de o ser à custa dos que também o são e atirar-lhe
isso mesmo à cara!
By me
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