sexta-feira, 1 de junho de 2012

Pé-rapados




São tão pé-rapado quanto eu!
Parte das suas conversas versam a carestia da vida, o quanto estamos a ser roubados pelos políticos, o quanto algumas horas extra de trabalho, ainda que agora mais mal pagas, ajudam a compor os orçamentos, que itens se acrescentam às declarações de IRS para que as devoluções sejam maiores, discutem onde a gasolina é mais barata e como o comprar pela web pode fazer poupar uns tostões.
São conversas em que não costumo participar. Não que os temas não sejam importantes, mas antes porque entendo que qualidade é mais importante que quantidade e porque, vistas bem as coisas, há quem neste país esteja em muito piores lençóis que eu mesmo ou aqueles que têm estas conversas.
Mas são exactamente estes que também discutem as cotações da bolsa e dos câmbios internacionais e que vão argumentando sobre se devem vender ou comprar agora ou antes esperar que os preços estejam mais favoráveis.
Por outras palavras: são, como eu, gente que vive do seu salário e mal pago, mas insiste em ir alimentando parte daquilo que justifica esse mau pagamento: a especulação. Com acções na bolsa, com compra e venda de moeda.
Esquecem-se eles que é essa mesma especulação que faz com que os preços do que consumimos seja o que é e que faz com que alguns nem se possam dar ao luxo de ter salários garantidos. E que foi essa mesma especulação que fez rebentar a chamada “crise” em que vivemos. Ainda que seja um termo que conheço de criança.
Quando a conversa salta de como o salário mal chega ao fim do mês para as cotações bolsistas, tento discretamente afastar-me, quer seja da mesa da refeição em comum, quer seja de uma pausa para um cigarro.
Porque ou bem que me afasto ou bem que manifesto sonora e veementemente o meu nojo por quem se me irmana no quotidiano e, ao mesmo tempo, tenta ganhar dinheiro como sofrimento dos outros.
Até hoje tenho conseguido não ser nem mal-educado nem agressivo: apenas polido. Mas não garanto, pelo caminho que o país toma, que um destes dias arranje uns quantos de inimigos.
Que não nada pior que um pé-rapado querer deixar de o ser à custa dos que também o são e atirar-lhe isso mesmo à cara!

By me

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