Foi há já uns anos
valentes, mais de vinte.
Eu e um compincha fôramos
convidados para integrar o quadro docente de uma escola profissional. E sendo
que este tipo de escola tem liberdade (ou tinha, não sei se ainda assim é) na
definição de conteúdos e métodos, desde que respeitados os objectivos definidos
pelo ministério, foi-nos pedido que reformulássemos a disciplina que iríamos dar
a meias.
Mas remendar acaba
quase sempre por não resultar em nada de jeito. A nossa opção foi fazê-lo de
raiz, pegando apenas nos objectivos definidos.
Não é tarefa fácil
nem coisa que se faça em duas penadas. A responsabilidade é grande, há que ser
capaz de prever e organizar as sequências de conhecimentos adquiridos, gerir os
tempos necessários em função dos disponíveis, prever equipamentos, consumíveis e
respectivos orçamentos, conciliar isso com as restantes actividades da escola…
se a isso acrescentarmos que estávamos dos inícios da revolução tecnológica nas
escolas, constata-se que não foi projecto fácil.
Eu e este meu
compincha tínhamos longas e apaixonas conversas sobre tudo isso e mais um par
de botas, tentando juntar o que havia que ser feito com as personalidades e métodos
de cada um, que se complementavam mas que, por vezes, estavam em oposição de
fase.
Um fim de tarde,
em saindo da escola, entrámos p’lo Pairro Alto fora, em busca de onde jantarmos
mas absorvidos na conversa. E fomos olhando para as ementas nas portas e
recusando um por um os restaurantes, que não tinham o que nos apetecia. Até
que, a dada altura, encontrámos o que queríamos: ovas p’ra ele, pataniscas de
bacalhau p’ra mim. Entrámos e foi uma longa noite de comes, bebes, conversa e
anotações, sentados na mesinha lá do fundo.
Como é que recordo
tudo isto? Porque, sendo que ficámos clientes, passou este restaurante a ser um
dos destinos preferenciais. Nós os dois ou com as respectivas companheiras e
descendências. Até porque, e acrescente-se, a garrafeira era particularmente
boa, factor importante.
De lamentar que o
Bizarro, assim se chamava o restaurante, já tenha fechado. Por um lado o
cozinheiro, homem já de certa idade, faleceu. E ele era parte da alma daquele
espaço. Por outro, os locais no Bairro Alto vão variando de donos e nomes,
sendo que apenas alguns sobrevivem no tempo.
Para além das memórias
várias e boas, uma jorrou agora por todos os meus neurónios.
Num outro
restaurante, ontem, pedi de sobremesa mousse de chocolate. Ao ser-me servida,
perguntou o empregado se não quereria eu “um cheirinho” nela. Nunca foi meu
petisco, mas pedi uma alternativa: café moído. Que, polvilhado assim por cima
da mousse e depois misturado, faz um pitéu para quem goste de doces. Eu gosto
de doces.
O empregado,
pessoa para ter metade da minha idade, se tanto, sorriu e afastou-se,
regressando de imediato com um pires. Que me aguçou e satisfez o palato e a memória.
Que esta combinação
aprendi-a eu no tal restaurante “Bizarro”. E tenho tentado repeti-la noutros
locais, sempre com um olhar de espanto por parte de quem me ouve pedir. A ponto
de há muito tempo não o fazer, só mesmo para não ter que entrar em explicações
gastronómicas.
Fica a imagem,
ficam as memórias e fica a sugestão para quem queira terminar uma refeição de
uma forma diferente.
By me
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