Ao longo dos anos
vários têm sido os que me questionam sobre a minha preferência de uma luz de
recorte (ou contra-luz, ou back light ou hair light ou luz de trás) intensa.
Curiosamente só de
há uns anos a esta parte me apercebi que, de facto, essa é a minha luz
preferida, seguida de perto por uma luz lateral em relação ao eixo de
observação ou de captação.
Por resposta
encontrei várias possíveis, de índoles bem diversas.
Numa primeira
abordagem, uma luz de recorte intensa é fácil de trabalhar e de, com ela, se
obterem resultados se não espectaculares, pelo menos menos comuns. É que basta
que a luz vinda de perto do eixo de observação seja suficiente para se
perceberem os detalhes e sem sombras contrastadas. A outra, a de recorte ou de
trás, pode ter a intensidade que se quiser (1:3, 1:5, 1:10, por comparação com
a frontal) que é aceitável alguma falta de controlo sobre ela desde que fique a
“queimar” ou quase.
Desta forma, as
definições dos diversos planos, os jogos de contraste assim criados e o
evidenciar do ou dos centros de interesse na imagem não só são fáceis de criar
como de fácil leitura por parte do público. Talvez que o factor preguiça me
tenha levado por este caminho.
Mas outras
repostas podem ser encontradas, não tão simples.
A luz que vemos e
que fotografamos é, as mais das vezes, a reflectida dos objectos. Vinda de uma
qualquer fonte (natural ou artificial, apenas disponível ou laboriosamente
trabalhada) os raios luminosos incidem no assunto e são reflectidos. Em regra
não na totalidade, já que parte dessa energia luminosa é absorvida pelos
materiais (e chamamos a isso cor) ou atravessa-os na proporção em que são
permeáveis (e chamamos a isso translucidez ou transparência).
Em qualquer dos
casos, definimos leis e regras científicas para a radiação, reflexão e
refracção, regras essas que quem usa a luz como matéria-prima tem que conhecer
medianamente bem.
Mas a verdade é
que a esmagadora maioria da luz que traduzimos em “ver” e em “fotografar” é a
reflectida. O que significa, na prática, que aquilo que vemos e registamos é,
apenas, a superfície dos assuntos. O seu interior, quer lhe chamemos “recheio”,
“alma” ou “para além de” fica oculto ou ofuscado por essa reflexão de
superfície.
Sendo verdade sou
um eterno curioso (um eufemismo para metediço) em relação ao que me cerca,
tenho tendência para tentar conhecer o mundo um pouco mais além da superfície
aparente.
Uma forte luz de
recorte ou contra-luz permite que, ao resvalar nas arestas ou atravessar o
assunto se for esse o caso, aquilo que vejo e registo vá um pouco para além das
aparências da superfície. Não apenas no conceito metafórico do termo mas também
no real, usando a translucidez ou transparência dos assuntos fotografados.
Claro está que
este “ir para além da superfície” será, as mais das vezes, uma questão
interpretativa. Mas também o é toda e qualquer fotografia, por muito técnica ou
“fiel”que queiramos que seja.
E, muito
naturalmente também, esta não será uma abordagem que eu use exaustiva ou
exclusivamente. Mas, em situações normais, tenho tendência para a procurar ou
provocar.
As explicações
quanto a esta minha preferência não se ficam por aqui: acontece que sou do
contra!
Tenho uma atitude
de contestação generalizada na vida (já me disseram que a primeira palavra que
terei dito conscientemente terá sido “Não!”). Assim, e se a grande maioria dos
fotógrafos, conceituados ou anónimos, procura a luz frontal, mais suave ou mais
contrastada, na moda, na arquitectura, na paisagem, no retrato, na reportagem,
faz todo o sentido que a minha atitude contestatária me leve a procurar outros
caminhos, no caso, outros tipos de luz. O próprio termo “contra-luz” é bem
elucidativo!
Um outro motivo,
desta feita não congénito, pode explicar esta preferência por fortes
contra-luzes:
Há mais de uma
vintena de anos perdi a capacidade de visão normal da vista direita. Mantive a
visão periférica, mas a frontal, a de detalhe, transformou-se numa mancha
cinzenta, irremediavelmente.
Com esta
“menosvalia” perdi também a capacidade de avaliar distâncias de forma convencional:
a visão estereoscópica desapareceu por completo. O que me levou a encontrar
soluções no quotidiano para resolver as coisas mais simples, como o saber a que
distância se encontra um carro, ou o enfiar uma linha numa agulha ou o descer
de uma escada.
Mas o cérebro
humano é bem mais poderoso que aquilo que imaginamos e encontrei
inconscientemente soluções alternativas: o tamanho aparente dos objectos ou a
sua sobreposição (perspectiva, a ferramenta do fotógrafo) e, obviamente, as
sombras que eles provocam (luz, a matéria-prima do fotógrafo).
Acontece que se as
sombras se projectarem para além do objecto, não são visíveis porque tapadas. É
bem mais fácil calcular distâncias se as sombras se projectarem para o nosso
lado. Ou seja: se a fonte de luz que as provoca estiver para além do objecto –
contra-luz.
Seja como for, há
que admiti-lo, esta preferência por este tipo de luz para fotografia tornou-se
bem mais fácil de pôr em prática com o recurso à fotografia digital e ao
processamento no computador. A tentativa e erro no controlo de contrastes é
muito mais acessível e bem mais barato (a custo zero e tempo mínimo) que nos
tempos do diapositivo ou do negativo.
Em qualquer dos
casos, e seja qual for o principal motivo ou motivos para se gostar de um dado
tipo de luz (ou composição, ou perspectiva, ou proporções de imagem ou o que
quer que seja) será bom que cada um o perceba e saiba.
Para saber porque
o faz e disso tirar proveito ou, pelo contrário e se as circunstâncias assim o
exigirem como seja um cliente, poder evitar o excesso de personalização.
E parar para
pensar naquilo que fazemos e de que gostamos, mais que gastar tempo, é saber
usá-lo.
By me
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