Há talvez quinze
anos pediram-me para seleccionar operadores de câmara de televisão.
Teriam que ser
operadores já feitos, prontos a trabalhar, que passariam apenas por um período
de adaptação aos equipamentos e métodos usados na empresa em causa. Coisa de uma
semana, pouco mais.
Este tipo de coisa
não é fácil de fazer, já que quantificar desempenhos é sempre subjectivo. Muito
mais subjectivo se incluirmos questões estéticas.
Mas lá aceitei o
encargo. Concebi alguns exercícios práticos a serem executados pelos
candidatos. Uns mais simples outros bem complicados. E, sem que algum deles
soubesse, teriam sempre possibilidade de o fazer por três vezes. O objectivo
seria o aquilatar da percepção que o candidato tivesse dos seus próprios erros
ou falhas e de que forma os corrigiria. Que um exame para um emprego é sempre
enervante e o não completo domínio do equipamento não ajuda.
Um dos exercícios
passava por fazer uma panorâmica, (rotação da câmara) por uma mesa, que se
encontrava na diagonal com o eixo da objectiva e em cima da qual se encontravam
objectos pequenos. Um maço de cigarros, uma embalagem de medicamentos, uma
chávena, uma lâmpada… Esperava-se que o movimento fosse regular e que a
passagem de foco também o fosse.
Era difícil. Eu
sei que era. Mas para aquilatar qualidade de desempenho não se podem apresentar
apenas coisas fáceis.
Um dos candidatos,
na primeira tentativa de três, sentiu a dificuldade. E, quando lhe sugeri que
tentasse uma segunda vez, começou a procurar e experimentar botões. Na câmara,
nos punhos, na objectiva.
Estranhando eu,
perguntei-lhe o que procurava. A resposta foi elucidativa:
“O auto-focus, que
isto é difícil de fazer.”
Não fiz, na
altura, nenhuma observação excepto que aquela câmara não o possuía. Mas, e como
se deve imaginar, este candidato não passou à fase seguinte de avaliação.
Nos tempos que
correm, os automatismos e auxiliares (mecânicos ou electrónicos) tomaram conta
da nossa vida que já não somos capazes de fazer o que quer que seja (ou quase)
sem a eles recorrer.
Vem toda esta
conversa a propósito de uma mocinha que conheço, com o que aparenta ser um
sólido conhecimento sobre fotografia e sérios desejos de ir bem mais longe em
questões criativas, que se me queixou que com uma objectiva 50mm e com o
diafragma em 1,7 necessita mesmo do auto-focus, pois que, quando não, não tem a
certeza de ter a imagem focada.
O seu problema não
era dificuldade de visão nem a reduzida profundidade de campo era questão estética
que a preocupasse.
Era mesmo o querer
fazer a correr e ficar o assunto (e a fotografia) focada.
Uma vez mais,
dependência da automação.
Lamento-a e à sua
incapacidade de usar o equipamento.
Os grandes foto-reporteres
que cobriram tão bem, tantos e tão complicados conflitos certamente que
desejariam ter sistemas automatizados de focagem. Mas creio que, em muitas
circunstâncias, preferiam ser eles mesmos a decidir, no lugar de um japonês
inteligente mas automatizado a viver dentro da câmara.
Note-se: eu uso o
auto-focus. Poupa-me trabalho e liberta-me para outras questões para além das técnicas.
Mas quero ser sempre eu a decidir quando o uso e não que se transforme num hábito
difícil de ultrapassar.
By me
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