Estávamos no ano
de ‘98. Decorriam os saudosos Encontros de Fotografia de Coimbra, espalhando
fotografia e fotógrafos por toda a cidade. Um dos espaços usados era o
emblemático “Edifício Chiado”, bem no centro da cidade.
Esta história
passou-se nele, já depois do seu restauro.
A exposição era
sobre um cosmonauta soviético e a fundação Sputnik.
Nas paredes e nas
vitrinas, no centro da sala, abundavam fotografias do herói, fardado ou à
civil, quando pequeno ou junto aos seus camaradas de armas e de curso.
Constavam também
recortes de jornal, livros de estudo, cadernos de apontamentos e cartazes
alusivos à sua viagem. Entremeados com estes documentos, elementos da sua farda
e divisas, óculos, carteira e outros objectos pessoais e, se a memória me não
falha, pedaços do seu fato espacial e do simulador onde terá treinado.
Tudo isto era
acompanhado de legendas em inglês, que identificavam cada uma das peças,
recortes e fotografias, que nos seria difícil de entender a língua russa em que
estavam escritos.
No final da
exposição, um cartaz com letra miúda, onde nos era passado um atestado de…
ingenuidade!
Todo aquele
estendal de livros, fotos, recortes e objectos diversos mais não era que um
fenomenal embuste.
A pessoa ali
retratada nunca tinha sido cosmonauta, nem sequer militar ou mesmo russo e
todos os documentos, fotografias e objectos eram falsos.
O público, ao ler
esta explicação, ria, sorria ou franzia o cenho, incomodado com a sua própria
credulidade e por ter sido enganado.
Mas não o tinha
sido!
Foram os próprios
que atribuíram um valor real ao que estavam a ver, que acreditaram nas legendas
numa língua estranha, já que não entendiam o original e que quiseram, no seu
íntimo, que tudo aquilo fosse “verdade”.
Perguntava-me, um
destes dias, um estudante de comunicação se eu admitia a manipulação da imagem,
fotográfica ou não.
Claro que admito,
aceito e recomendo.
O problema, a
existir, nunca está na imagem por si só mas antes na leitura que dela fazem
autor e público!
Se ambos dizem ser
verdade aquilo que está exibido, e se essa afirmação não é posta em causa,
então a patranha passa a verdade, eventualmente desmontável mais tarde, e com
todas as suas consequências.
Mas se não for
assumido por parte do autor um carácter de veracidade, se não lhe for dado o
carácter de “documento”, então tem tanta validade quanto as esculturas que se
fizeram ou fazem de Moisés que, tanto quanto sei, nunca foi retratado em vida.
Texto: by me
Imagem: uma das
fotos da exposição, publicada num suplemento de um jornal como divulgação dos
“Encontros”
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