Apetece-me ser politicamente
incorrecto!
Num momento em que
sei haver uns milhões de pessoas a afirmarem-se com “Eu sou Charlie”, apetece-me
pensar seriamente nisso.
Porque eu não sou
Charlie.
Há um montão, uns
milhões, de gente que protesta porque dois ou três tipos dispararam a matar
sobre jornalistas críticos de uma confissão religiosa.
Creio que a
maioria desses que protestam estão animados de boas intenções.
Mas também estão
manipulados por tudo quanto os media nos mostram, incluindo o “golpe de misericórdia”
na cabeça de um polícia.
Não sei se haveria
tanto protesto sentido, tanta emoção à flor da pele, se não fossem jornalistas.
Não sei se haveria
tanta emoção de, no lugar de uma redacção, fosse uma gráfica, a mesma que
imprime o mesmo jornal. E se, no lugar de jornalistas, fossem os operários a
tombar.
Não vi tanto
protesto sentido quando a escola judaica em Tolouse foi atacada, com quatro
mortos, dos quais três crianças.
Não vi tanto
protesto quando Gaza foi bombardeada, com edifícios civis a desmoronarem-se
sobre mulheres e crianças e sem terem para onde fugir.
Não vi tanto
protesto quando foi implementada a pena de morte no Uganda para os homossexuais.
Não vejo tanto
protesto quando os madeireiros chacinam uma aldeia no Amazonas.
Não vejo tantos
protestos quando se prepara a segregação de velocidades e conteúdos na net.
Não vejo tanto
protesto quando os Mapuche são corridos a tiro pelas empresas de mineração.
Não vejo tantos protestos
perante o facto de as polícias dos EUA afirmarem que já estão em campo devido a
um ataque em França.
Não vejo tanto
protesto quando uma menina entra numas urgências hospitalares porque foi
genitalmente mutilada. Sim, em Portugal!
Nem verei tantos
protestos quando as leis vigilantes usarem deste e de outros episódios
equivalentes para limitarem a tua, nossa, liberdade de existir e de exprimir e
de acreditar e de viver.
Aqui, ali, acoli,
já se vão levantando vozes radicais, mesmo ou principalmente entre os cidadãos
anónimos, a reclamar pela expulsão dos estrangeiros, dos islâmicos, dos de cor
ou credo diferente. Sim, aqui em Portugal!
Eu não sou
Charlie!
Sou um ser humano
que continuarei a protestar de cada vez que morrer alguém às mãos de outro.
Porque escreve num jornal, porque apanha ervas selvagens, porque reverencia o
seu ente supremo, porque tem uma opção sexual e de vida diferente.
Eu não sou
Charlie!
E se não tenho
medo dos radicais que a tiro ou à bomba fazem chacinas ignóbeis, tenho muito
medo dos totalitarismos de estado, disfarçados de democracia, que se avizinham.
Sim, na Europa! Sim, em Portugal!
By me
1 comentário:
Muito bem!
As massas adoram ter quem lhes dirija a vida, lhes selecione os amores e os ódios.
Enviar um comentário