sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Sem registo fotográfico



Circula na rede uma fotografia detestável.
Se bem me recordo, refere-se a França (mas não afianço) e mostra um banco de jardim cercado com grades.
O texto que a acompanha conta que aquelas grades foram colocadas para que os sem abrigo não pudessem pernoitar ali, já que os bancos estariam implantados em frente de uma qualquer loja de alto gabarito.
Se não seria bem isto, era algo de semelhante.
Nunca entendi bem a coisa, já que o desfeiar do jardim é tão evidente, de dia, que pior de noite dificilmente poderá ser.
Os comentários portugueses a essa fotografia são bem cáusticos, na presunção da veracidade do relatado.
Esquecem-se – ou não sabem – que situações semelhantes ou piores acontecem bem mais perto da porta de casa do que podem imaginar.

Em Lisboa existem as chamadas “cantinas sociais”. De alcunha “A sopa dos pobres”. Uma delas situa-se na avenida Almirante Reis, mesmo em frente à Igreja dos Anjos.
Naturalmente que nas imediações deste apoio social passeiam-se ou apenas estão a matar o tempo com algumas eventuais conversas uma boa quantidade de utentes dessa cantina. Não tendo melhor que fazer ou melhor onde estar, vão estando por ali.
Pois o jardim em torno da igreja foi “podado” dos seus bancos. Todos. Talvez que dez bancos, dos lados e atrás do edifício da igreja.
Ao que soube – e isto tem já alguns anos – o objectivo de semelhante “poda” foi o evitar que os utentes da cantina social pernoitassem nos bancos ou mesmo neles estivessem durante o dia. Que se a zona já não tem uma frequência afamada, com aqueles forasteiros a coisa piorava.
Ainda estou para saber se a decisão surgiu da igreja, se da vizinhança, se da cantina, se da câmara municipal. Não sei se alguma vez o virei a saber.
Mas entre grades a proteger bancos de jardim ou o simples retira-los a diferença é mínima, se alguma.

Do facto não tenho registo.
Apesar de não haver bancos, os utentes da cantina vão-se sentando onde podem, que é como quem diz nas cercas metálicas que envolvem o ajardinado, nos pilaretes de pedra que evitam os carros entrarem no adro da igreja ou mesmo nos degraus da igreja.
E se tenho escrúpulos em fotografar desconhecidos, mesmo que de bem com a vida, sem autorização explícita, estes cidadãos que fazem da rua a sua casa, nem têm as suas paredes para definirem a sua intimidade e a vergonha da sua condição.
Não faço destas pessoas e dos seus retratos troféus para pendurar na sala ou exibir nas redes sociais!

Saiba-se apenas – e constate-se no dia-a-dia, observando e questionando – que a falta de vergonha e o desrespeito pelos mais frágeis também acontece por cá. À nossa porta! 

By me

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