Um pequeno episódio
(ou grande episódio), vivido ontem e que ainda me marca a manhã, fez vir à tona
da memória todo um conjunto de outros pequenos (ou grandes) episódios
equivalentes. Que o tempo é uma sucessão de episódios e o seu tamanho aquilata-se
na exacta medida de quem os vive.
Aqui fica um deles,
contado palavra por palavra como já o contei e com a mesma imagem.
“Carrego a merda
que os outros fazem!”
Foi assim que ele
se descreveu e ao seu ofício. O nome oficial será “Cantoneiro Municipal” e, em
tempos, chamávamos-lhes “Almeidas”, ainda que eu não saiba porquê.
A abordagem
inicial foi a costumeira: Querer saber se num outro dia poderia vir para eu lhe
“tirar o retrato”. É a atitude habitual de quem quer saber detalhes mas não tem
a coragem de perguntar quanto custa, por não ter dinheiro para o pagar.
Em sabendo-o
grátis não o acreditou mas, perante a minha insistência no preço, quis fazer
uma. Estou convencido que estaria na disposição de pagar no final, ainda que
não soubesse o valor e correndo o risco de ser demasiado para ele. É que o seu
espanto e gratidão quando, no fim e depois de a receber, constatou que era
mesmo a custo zero, foi sincero. Até a forma de o demonstrar.
Para além das
expressões e gestos usados, foi a oferta de um copo de tinto, pago no tasco
vizinho de sua casa, nas imediações do pátio onde reside, ali na vizinhança. E
a firmeza com que me apertou a mão e, muito estranhamente, a levou aos dois
lados da sua cabeça, não me permitem duvidar que, em lá indo, terei um copo à
minha espera.
É particularmente
curioso constatar que são quem tem proventos mais modestos, quiçá nenhuns,
alguns mesmo a “carregar a merda que os outros fazem”, que mais insistem em
pagar a fotografia recebida, que mais genuinamente ficam agradecidos por ela e
em quem se vê um sorriso mais sincero.
Talvez porque, em
regra, a solidariedade é inversamente proporcional ao nível económico!
By me
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