Estava atrasado.
Quem quer que me
conheça sabe que isso me incomoda de sobremaneira. Prefiro, de longe, chegar
antes e esperar a chegar atrasado, onde quer que seja. Manias!
Em qualquer dos
casos, o atraso só aconteceria se esperasse pelo autocarro que, a dar fé no
aviso luminoso, demoraria ainda uns bons 30 minutos. A alternativa, como
noutras situações semelhantes, seria apanhar um táxi. Não é barato, mas prefiro
isso e ficar tranquilo.
O primeiro
que vi e que sinalizei fez-me que não com a mão. Olhei melhor e tinha registo
de Oeiras, fora de Lisboa, e não poderia tomar passageiros aqui onde estava.
O segundo bem
que viu o meu braço esticado, sinal inequívoco para parar o carro. Mas fez que
não me havia visto, talvez assustado com o meu ar meio pai-natal, meio Fidel,
meio Taliban, que é assim que tenho sido classificado na rua, ao passar. Nada
que me surpreenda ou incomode, excepto nestas circunstancias.
O terceiro
era de Lisboa e não transportava quem quer que fosse, aspecto, idade ou
apelido. E bastava olhar para o carro para ver que já tinha transportado mais
do que poderia contar. Aliás, fui eu mesmo que receei entrar nele, que nada me
garantia que conseguisse levar a bom porto o trajecto que lhe pedisse.
Entrei, que
cliente com pressa não pode ser esquisito, mas meti conversa com quem ia ao
volante. Em boa verdade, não preciso de um pretexto para isso, que tagarelar
com taxistas é sempre um prazer e uma lição para o dia.
Mas sempre lhe
perguntei, depois de indicar para onde queria ir, que idade teria a viatura.
O sorriso que
senti mas não vi, que não lhe chegava à nuca, foi delicioso:
“Faz amanhã 25
anos que andamos juntos, eu e ele!”
Era um pouquinho
mais novo do que supunha. E alimentei a conversa com um elogio ao estado de
conservação do táxi, por fora e por dentro.
“É verdade que
sim. Tantas horas por dia aqui dentro, é como que uma segunda casa. E tem que
estar como eu gosto dela. Sabe, ele já não anda muito. Ali nos “cabos ávila”
queixa-se e vai a passo. Mas eu também não vou depressa, que na cidade não
posso e a idade já não o pede.”
E foi
acrescentando que já tinha 70 anos, que a reforma de um taxista é pequenina e
que havia de ir ganhando a vida ali enquanto pudesse. Até porque a mulher
estava doente e o dinheiro sempre fazia falta.
“Em qualquer dos
casos”, rematou, “se eu parar de andar aqui já não sei o que fazer na vida.
Enquanto puder, e à minha velocidade e a daqui do meu parceiro, havemos de
continuar na cidade!”
Apesar do trânsito
e da velocidade do vetusto carro e motorista, cheguei a tempo.
E com a
secreta esperança de, se chegar a esta idade, ainda ter uma ou duas das minhas
fieis câmaras de hoje a trabalhar.
Parabéns ao
Mercedes 240D e ao seu motorista!
By me
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