quinta-feira, 31 de maio de 2012

Há sete anos




Há sete anos publicava eu isto.
Sinto-me envergonhado por não ter tido coragem de o fazer mais vezes, de então para cá!


Não! Hoje disse NÃO!

Não vou falar do padre que prefere que se matem crianças de cinco anos a que se pratiquem abortos!
Não vou falar dos políticos suspeitos de tráficos de influências e de destruição do património natural e que – suspeitamos – ficarão na mesma!
Não vou falar daqueles que se humilham e sacrificam em prol de uma fé que, e com isso, enriquecem estados e pessoas!
Não vou falar de fanáticos que se explodem em favor de uma causa que não entendem bem, apenas para matar mais uns quantos inocentes!
Não!
Hoje não vou falar disso, nem com a boca nem com a objectiva! Voluntária e conscientemente, não farei com que isso seja o tema de conversa ao jantar, enquanto a pantalha inunda os lares com essas e outras informações sangrentas e inconsequentes!
Não!

Apeteceu-me não, disse não e fiz não! E fiquei um dia mais novo!
Saí de casa com esta vontade e, a quinhentos metros do trabalho decidi não. Telefonei para lá e usei de algumas prerrogativas que a senioridade e o respeito profissional conferem: baldei-me!
Mesmo à porta do trabalho decidi: Hoje não quero trabalhar!
E segui em frente. Quase sempre em frente. Para onde o nariz apontava. Um pé à frente do outro, sem pressas nem vagares. Andando apenas.
Com aquela tranquilidade que diz: Hoje o tempo é meu! Não mo deram nem cederam: conquistei-o. Não tenho nada para fazer porque quero e isso torna-me imensamente mais rico e de bem comigo e com o mundo!

As casas, as fábricas, as ruas, as relvas, os passeios, os números das portas sucederam-se como se a marcha se tivesse invertido: eu parado e tudo o resto em movimento. O chão por baixo, o céu por cima, sem peias nem norte.
Atravessei o santuário do consumismo como cão por vinha vindimada.
Por um qualquer motivo interior, as pessoas pareceram-me mais. Mais alegres e mais acabrunhadas. Quem sorria, sorria com mais prazer, quem rilhava os dentes, fazia-o mais alto.

Estou mais novo um dia porque o quero. Porque abri os olhos e vi quem e o que me rodeia. Não porque tivesse tempo livre mas porque libertei o tempo. Os ponteiros saltaram, os mostradores ficaram em branco e os números alinharam-se pelo rumo do meu nariz…

Parei antes de me afundar. O rio foi a minha fronteira, que os sapatos não gostam de água.
Entre a esquerda e a direita, ganhou o coração. E a relva chamou-me. Verde mas seca, tornou-se o colchão da minha liberdade, o fiel depositário dos meus ossos enquanto a mente vagava bem lá por cima.
As nuvens agregavam-se e separavam-se no azul, ao sabor de ventos e temperaturas.
Formavam padrões abstractos (ou sou eu que não os sei ler?). Lamentei não ter trazido, como de costume, a câmara de casa. Mas, depois, agradeci.
Não só não me preocupei com o rectângulo que exclui tudo o resto, como nunca conseguirei chegar aos pés do mestre para o imitar. O seu a seu dono!
Foi bem melhor deixar que as nuvens se moldassem ao meu espírito, ou o espírito às nuvens, ou ainda numa simbiose animal/mineral para benefício de ambos.
Há momentos em que o bom mesmo é nada fazer, ser apenas. Os sons, a luz, o tacto, os aromas, os paladares (agora uns Pint’s pretos). Ser apenas. Sem sal nem pimenta!

Não! Hoje não!
Hoje não contribuo para pensamentos negativos de quem me cerca! Hoje sou inocente por abstenção das perguntas complicadas das crianças intrigadas, não vou obrigar a mudar de canal, não vou pintar de podre a reunião familiar nem complicar as digestões.
Sou cúmplice – somos todos – mas hoje não quero!

Hoje decidi ser livre!
E desse lado? Quando foi a última vez que o foi? Em consciência!



Imagem: Equivalente, Alfred Stieglitz, 1926(?)  

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