sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O fumo e o fogo



O dia de ontem acordou como acabou por adormecer: quente, límpido e sem aragem.
As duas primeiras eram esperadas, que os meteorologistas não se enganam por tanto. Agora que não corresse nem uma brisa na minha rua, aquela que por brincadeira chamamos de “monte dos vendavais”, é que já foi mais estranho. Ver o fumo de um cigarro a subir direitinho no ar é coisa rara por cá e motivo para chamar a banda e largar foguetes.
Pelas nove e pouco da manhã já eu o sabia pela imobilidade das folhas das árvores. E fui surpreendido, ao deitar pela segunda vez café na caneca matinal, por um valente estrondo. Vinha da rua e entrou-me pela janela da cozinha quase como se tivesse acontecido mesmo por baixo dela.
O meu sobressalto foi seguido de alguns outros, bem menores, na mesma escala dos estrondos ou estampidos que se lhe seguiram em catadupa. Mas a minha surpresa rapidamente desapareceu para ser substituída por raiva. Raiva surda, ao invés do que me ouvia.
Que o que eu estava a ouvir, possibilitado pela ausência de vento, mais não eram que os tiros disparados na carreira de tiro militar existente a uns quilómetros de distância, em linha recta. Começaram com o rebentamento de uma granada e seguiram-se-lhe um sem número de disparos de armas automáticas. Tão presente era o som e, percebesse eu de ferramentas de morte, saberia quais as que disparavam.
E a minha raiva foi grande. Grande mesmo. Mesmo pondo de parte a minha atitude contra a existência de exercito, não podia aceitar de bom grado ouvir os treinos de gente que se especializa em matar logo a seguir a ter lido uma notícia em que se contava de que forma as comparticipações estatais em vacinas e métodos anti-conceptivos tinham sido reduzidas. Com a informação adicional de que, com essa medida, se irão poupar 19 milhões de euros.
Não sei quanto custa cada munição disparada, cada granada deflagrada, fardamentos, combustível, pré e rancho. Mas sou capaz de imaginar, sem muito esforço, que toda a despesa militar neste pequeno país ultrapassará, de longe, tudo quanto se pretende poupar na saúde e educação com as medidas que têm vindo a ser anunciadas. Para já não falar nos impostos adicionais, os tais que, há uns tempos, eram inadmissíveis para os que agora os lançam.
Começa, muito seriamente, a ser tempo de pensarmos que o fumo que sobe nos ares placidamente em dia de acalmia total tem que deixar de ser apenas o do cigarro.

Texto e imagem: by me

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